2011-07-07

Nada me faltará

Maria José Nogueira Pinto, DN 2011-07-07

Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa. Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís, era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros. Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.

Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente (mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os filhos deles. Há quase quarenta anos.

Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.

Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.

Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou -mesmo quando faltava tudo.

Regressada a Portugal, concluí o meu curso e iniciei uma actividade profissional em que procurei sempre servir o Estado e a comunidade com lealdade e com coerência.

Gostei de trabalhar no serviço público, quer em funções de aconselhamento ou assessoria quer como responsável de grandes organizações. Procurei fazer o melhor pelas instituições e pelos que nelas trabalhavam, cuidando dos que por elas eram assistidos. Nunca critérios do sectarismo político moveram ou influenciaram os meus juízos na escolha de colaboradores ou na sua avaliação.

Combatendo ideias e políticas que considerei erradas ou nocivas para o bem comum, sempre respeitei, como pessoas, os seus defensores por convicção, os meus adversários.

A política activa, partidária, também foi importante para mim. Vivi--a com racionalidade, mas também com emoção e até com paixão. Tentei subordiná-la a valores e crenças superiores. E seguir regras éticas também nos meios. Fui deputada, líder parlamentar e vereadora por Lisboa pelo CDS-PP, e depois eleita por duas vezes deputada independente nas listas do PSD.

Também aqui servi o melhor que soube e pude. Bati- -me por causas cívicas, umas vitoriosas, outras derrotadas, desde a defesa da unidade do país contra regionalismos centrífugos, até à defesa da vida e dos mais fracos entre os fracos. Foi em nome deles e das causas em que acredito que, além do combate político directo na representação popular, intervi com regularidade na televisão, rádio, jornais, como aqui no DN.

Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé.

Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida. Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro. Neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. E também com a família e com os amigos. Esperando o pior, mas confiando no melhor.

Seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará.


Dai-lhe Senhor o eterno descanso.
Que a sua alma descanse em Paz.

2011-07-05

A dinâmica das ondas

João César das Neves, DN 2011-07-04

O Ocidente enfrenta fortes debates à volta da vida e da família, promovendo o aborto, divórcio e homossexualidade. Entretanto o mundo árabe sente momentos de intensa perturbação política. Muitos andam entusiasmados ou assustados com isto. Para o entender é preciso conhecer a dinâmica das ondas.

A sociedade humana vê-se sujeita de tempos a tempos a vagas doutrinais. Uma ideia surge com tanta força que parece imparável, capaz de varrer tudo à sua frente. Dir-se-ia que nada resistirá e o mundo será dominado. Depois, como é da natureza de todas as vagas, as coisas amansam. Por vezes tudo se esfuma sem efeitos; outras conseguem resultados, mas em todos os casos o aspecto ameaçador e irresistível desaparece. A onda rebentou.

O fenómeno é antigo e versátil. Existiram ondas religiosas, políticas, artísticas, morais, sociais. O marxismo foi um dos casos mais perfeitos. É difícil compreender a força que há 50 anos essa doutrina tinha. Gostando ou não, não era possível pensar o futuro do mundo sem o imaginar comunista; e o triunfo estava próximo. Observar hoje os partidos que ainda seguem essa orientação é como contemplar os charcos na praia.

As vagas têm alguns aspectos marcantes. O primeiro é que todas são sempre destruidoras. Por melhores que nasçam, criam muito estrago no entusiasmo revolucionário. O surgimento do cristianismo, como do método científico ou da democracia, gerou danos laterais. Isso está na própria natureza das ondas, mesmo com boas intenções. E todas as têm. Todas nascem e se alimentam de um elemento bom. Mesmo as mais terrivelmente destruidoras, como fascismo e nazismo, surgiram de um apelo à justiça. Só aceitando esta ambígua relação entre bem e mal se entende a realidade.

Outro aspecto é que o tempo joga sempre contra elas e todas acabam por se esgotar. As poucas com efeito duradouro, como Igreja Católica ou Islão, só o conseguem à custa de sucessivos renascimentos e regressos às origens. As várias escolas estéticas, seitas protestantes ou lideranças políticas são encadeados de ondas de efeitos variáveis. O ser humano só conserva aquilo que continuamente recomeça.

Mais decisivo é saber como agir perante uma onda. Enfrentar um tsunami é uma experiência horrivelmente assustadora. Por causa disto, no progresso dos últimos 250 anos, repetidamente se sentiu o pânico das antigas invasões bárbaras, julgando-se assistir ao fim da civilização.

A primeira regra é nunca seguir a atitude instintiva. Esbracejar diante de uma onda para a tentar parar é tolo. Contra uma torrente não se argumenta, conspira, organiza. Ela seguirá o seu caminho arrastando tudo, até se esgotar. Nos raros casos de vagas interrompidas à força, como os cátaros em 1229 e Tiananmen em 1989, é discutível se tinham dimensão de verdadeiras ondas. Faz parte dessa dinâmica ser imparável. Também esperar, que acaba sempre por resultar como vimos, só é resposta nas fases finais do processo, que pode ser longo.

Assim, face a uma onda, só existem duas alternativas. A primeira é tentar agarrar a vaga e surfar o movimento. Isso, além de implicar aceitação, mesmo hipócrita, é extremamente difícil e perigoso, porque "a revolução, como Saturno, devora os seus filhos", como disse Georg Büchner (A morte de Danton, 1835) descrevendo a queda de um dos melhores surfistas de uma das maiores ondas da história.

Para quem julga enfrentar uma brutal ameaça ao que considera mais sagrado, só resta uma atitude sensata: mergulhar quando a vaga se aproxima. Submergir significa refugiar-se nos princípios fundamentais, verdades básicas, raízes da civilização. Só atrás da rocha se resiste à enxurrada.

Perante as paradas gay e manifestações árabes muitos se alegram ou assustam. É bom que todos se lembrem que, goste-se ou não, são ondas passageiras. Terão alguns efeitos, muito menos do que tantos sonham ou temem. Não são as ondas que determinam a paisagem, mas as rochas e as correntes. A única forma de enfrentar com proveito estes jactos de impulso é reafirmando os valores básicos da civilização.

2011-07-04

Um mal por dia

Há uma Palavra do Senhor que considero muito importante em toda a minha vida: "Não vos preocupeis com o amanhã; cada dia tem o seu mal". Um mal por dia é suficiente para os homens; mais não conseguem suportar. Por isso procuro concentrar-me na resolução do mal de cada dia, e deixar o seguinte para o dia seguinte.

-- Bento XVI, Luz do Mundo

2011-07-01

Sobre as férias

O tempo das férias torna-se para muitos ocasião proveitosa para encontros culturais, para momentos prolongados de oração e de contemplação em contacto com a natureza ou em mosteiros e estruturas religiosas.

Dispondo de mais tempo livre podemos dedicar-nos com mais facilidade ao diálogo com Deus, à meditação da Sagrada Escritura e à leitura de algum livro formativo.

Quem faz a experiência deste repouso do espírito, sabe como ele é útil para não reduzir as férias simplesmente a distrações e divertimentos.

A participação fiel na celebração eucarística dominical ajuda a sentir-se parte viva da comunidade eclesial também quando se está fora da própria paróquia.

Onde quer que nos encontremos, temos sempre necessidade de nos alimentarmos da Eucaristia.

-- Bento XVI - 13 de Agosto de 2006