2012-10-19

Agressão sem pacto

João César das Neves, DN, 2012-10-15

Não é agradável, mas é preciso dizer que as propostas da extrema-esquerda, PCP, BE e CGTP, são um disparate. Rejeitar o "pacto de agressão", como lhe chamam, e renegociar a dívida iria não reduzir a austeridade, mas aumentá-la imenso.

Isto não significa impedir essas forças de afirmarem o que quiserem e, muito menos, sugerir punição por fazê-lo. É preciso cautela, porque elas estão sempre prontas a fazer-se de mártires, acusando de antidemocrático quem se atreva a criticá-las. Ninguém as quer perseguir. São movimentos legítimos, que devem ser levados a sério e avaliados pela seriedade do que defendem. Têm todo o direito de dizer o que quiserem, tal como existe o direito de livremente as comentar.

É evidente que têm toda a razão em repudiar a austeridade. Aliás nisso estão como todos os partidos e orientações. Ninguém em Portugal gosta ou deseja sacrifícios. O facto de a sua rejeição ser mais sonora e violenta não significa maior desaprovação, só menos cortesia.

O que os distingue é a forma como reagem aos sofrimentos que afectam todos. Se rejeitássemos a dívida externa e abandonássemos os credores teríamos, é claro, um benefício imediato, eliminando os juros e ónus dessa dívida. Mas o que nos levou a pedir ajuda externa pouco teve a ver com isso. A causa aflitiva vinha de os mercados se terem fechado a novos empréstimos, impedindo os financiamentos que o Estado precisa para sobreviver. O problema dos países em dificuldades financeiras, como das pessoas, é menos o que já devem do que aquilo que precisam de continuar a pedir emprestado.

O pacote de ajuda aprovado a 17 (Econfin) e 20 (FMI) de Maio de 2011 trazia consigo 78 mil milhões de euros até fins de 2013, quase metade da nossa dívida pública directa à data do acordo. Esse enorme empréstimo de último recurso foi feito com condições, a famigerada austeridade, porque é preciso resolver o desequilíbrio que gerou a situação.

Aliás, o mais irónico é que a austeridade pouco tem a ver com a dívida. Ela serve para curar o défice, uma sangria que teremos de resolver, haja ou não dívida. Rejeitar juros e reembolsos não curaria a doença, só adiaria os sintomas.

Se Portugal, como querem essas forças, tivesse rejeitado as condições, o efeito seria uma travagem brusca do financiamento externo, ficando o País entregue à sua sorte. Isso daria uma austeridade maior e imediata. O que a troika quer que façamos em três anos teríamos de o fazer de um dia para o outro, por absoluta falta de fundos. Nesse caso, as pensões e salários públicos entrariam em ruptura, perdendo não dois, mas muitos meses. Os impostos seriam elevados muito acima do que se prevê que venham a subir. Haveria cortes brutais em todos os serviços e sistemas públicos.

Isto não é o pior. Enveredando por um caminho de rejeição das suas responsabilidades internacionais, o nosso país tornar-se-ia então um pária mundial, junto com Irão ou Coreia do Norte, pior do que a Grécia. Ganharíamos amigos em certos cantos do mundo, mas à custa do corte com os nossos parceiros e aliados, queda dramática das exportações, investimentos e outros fluxos. Era o colapso.

Assim, as propostas que esses movimentos apregoam com tanto afinco constituem, em poucas palavras, um disparate monstruoso, que qualquer pessoa sensata coraria de sugerir. Não estão em causa opções ideológicas, que raramente têm efeito na contabilidade e nas finanças, mas simples bom senso. Isto são coisas evidentes, que todos entendem.

Sendo assim, por que razão pessoas inteligentes propõem tais ideias de cabeça erguida? Precisamente porque sabem que ninguém as seguirá. Fingindo ter alternativa, que realmente não existe, capitalizam todo o descontentamento a seu favor, enquanto a "troika de direita (PS/PSD/CDS)" paga a despesa política de salvar o País. Por detrás de uma máscara de linha doutrinal está, realmente, um descarado oportunismo. Os outros que façam o que é preciso, debaixo de uma impiedosa chuva de insultos, enquanto eles aproveitam para subir nas sondagens à custa da desgraça nacional.