2014-05-28

Exemplos alemães para um melhor financiamento da ciência e tecnologia

Algumas propostas para a ciência em Portugal a partir de um olhar na Alemanha.

Pedro Bicudo, Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa
Público
23/04/2014

Comparando com a Alemanha, com a qual comecei há uns anos um intercâmbio (numa acção integrada luso-germânica, financiada pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e pela congénere alemã DAAD afim de fomentar colaborações internacionais), vejo como a vida académica poderia ser mais consistente e mais produtiva em Portugal.

Na Alemanha, impera a lei da eficiência e dos grandes números, e deve haver uma das maiores transmissões de tecnologia entre as universidades e as empresas. Há muitíssimos doutoramentos, cerca de 25.000 novos doutorados por ano, mas um doutoramento não é um handicap no mundo empresarial alemão. Muitos dos melhores alunos optam por fazer um doutoramento, apenas para terem a oportunidade única de realizar um trabalho perfeito e profundo, e fazerem avançar a universidade, mas depois vão directamente trabalhar em empresas. Isto porque todos os doutorados, até mesmo os doutorados em áreas mais abstractas – em matemática e em física – acabam por ser úteis nas empresas.

Bolsas em todas as áreas

Dizem-me os meus colegas alemães que cada professor universitário tem automaticamente, de uma forma inerente, atribuídas duas bolsas de doutoramento (ou de pós-doutoramento) para oferecer aos seus alunos. Estas são as bolsas de doutoramento mais tradicionais, atribuídas directamente pelas universidades, existentes em todas as possíveis áreas da ciência e da tecnologia. Para além disso, há ainda financiamento (de diversas agências) para os professores dos grupos mais produtivos cientificamente, ou de áreas estratégicas, concorrerem a programas de alguns milhões de euros e poderem atribuir mais bolsas a alunos.

Em Portugal, o Governo ignorou que todos os professores e todas as áreas são importantes para uma ciência e tecnologia sólidas, e decidiu concentrar praticamente todas as bolsas em programas doutorais muito específicos, que julga terem “mais qualidade”. Estes programas doutorais do Governo (cada programa doutoral aprovado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, dedicado a um tema particular, recebe dezenas bolsas de doutoramento) estão a deixar de fora as áreas principais investigadas nas universidades, e estão a criar um terramoto no sistema das universidades portuguesas. A maioria dos grupos de investigação fica sem financiamento e sem alunos de doutoramento. O sistema está a patinar, pois:

– Falta fazer o trabalho de base, mantendo todas as áreas da ciência e tecnologia bem activas, porque são todas importantes para a academia e para as empresas;

– Os programas doutorais que supostamente seriam “de qualidade” são mal seleccionados por existirem falhas graves nos critérios, nos procedimentos e nos júris.

Critérios e júris

Os critérios da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) estão a falhar por terem requisitos demasiado permissivos, o que aumenta a arbitrariedade na atribuição de bolsas. Por exemplo, a cada candidato a bolsa de pós-doutoramento da FCT, pede-se apenas que tenha um artigo publicado numa revista científica, mesmo que tenha feito o doutoramento há mais de três anos. Há uns anos disse-me um colega espanhol: “Aqui em Espanha um candidato recém-doutorado, que tenha publicado menos de oito artigos científicos de qualidade, nem sequer é considerado pelo júri, porque só consideramos candidatos fora de série.” Ou seja, os critérios portugueses permitem a mediocridade e frequentemente os melhores candidatos, os fora de série, não obtêm bolsa enquanto alguns candidatos bem mais fracos têm sorte.

Outro exemplo de mediocridade é o júri escolhido pela FCT para atribuir programas doutorais. Na grande área da física a que pertenço, no painel do ano passado havia apenas um jurado. Ele era especialista numa área a meio caminho entre a física e a biomédica. Era responsável por avaliar todos os programas doutorais para a física, com um valor de dezenas de milhões de euros. Como seria de esperar, fez um julgamento sumário, dando demasiado valor a aspectos irrelevantes.

Isto não se passa na Alemanha, onde os júris são muito rigorosos e consistentes a tomar as suas decisões. Por exemplo, neste momento na Universidade de Frankfurt onde me encontro, está em decisão a atribuição de um financiamento de dez milhões de euros. O tópico é estratégico, pois desenvolve investigação relacionada com o futuro grande acelerador de partículas alemão, a para Investigação de Antiprotões e Iões, que está a ser desenvolvido em Darmstadt. Esse projecto tem o objectivo de financiar bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento, missões, computadores e visitas de consultores (como eu). Mas apesar de se tratar de um financiamento comparável ao de um programa doutoral apenas do Governo português, está a ser decidido por um júri internacional do mais alto nível. O júri é composto por especialistas do mesmo tópico (não de um tópico desconexo do tópico a financiar), que inclui por exemplo o director de um grande laboratório nacional norte-americano. Este júri está a entrevistar muitos investigadores, desde os professores mais eminentes aos alunos que estão a iniciar o doutoramento.

Relações entre universidades e empresas

Outra questão importante é a dos doutoramentos nas empresas. Em Portugal, o Governo diz que grande parte dos doutoramentos deve passar a ser feito nas empresas. Isto pode funcionar nalguns casos particulares, mas no geral é muito difícil. Ao contrário das universidades, as empresas não estão vocacionadas para organizar doutoramentos.

Segundo os meus colegas na Alemanha, um professor que realize trabalho tecnológico ou de consultoria relevante para alguma empresa pode receber dessa empresa até um milhão de euros por ano sem perder o seu vínculo com a universidade. Isto ocorre frequentemente, por exemplo com a indústria automóvel, e cria pontes fortíssimas entre as empresas e a universidade. As próprias empresas querem que as universidades sejam fortes. Os pagamentos das empresas às universidades permitem não só que alguns professores possam ter excelentes salários como financiam ainda muitas bolsas de doutoramentos, não nas empresas, mas sim nas universidades.

O Governo português quer ainda que muitas mais patentes industriais sejam produzidas nas universidades. Realmente as universidades conseguem ter know-how para fazer muitas patentes, e até é bom que lancem muitas patentes para aproveitarem a criatividade dos professores e alunos. Mas é difícil prever qual dessas patentes frutificará, pois as universidades não são empresas industriais. E presentemente as universidades portuguesas têm poucos recursos financeiros para defender patentes internacionais. Disse-me um amigo, director de uma grande empresa bastante tecnológica: “A minha empresa não quer que as universidades façam patentes, primeiro porque nós é que sabemos quais são as patentes que precisamos; se precisamos de uma patente, fazemo-la nós. Em segundo lugar, nunca compramos patentes às universidades, essas patentes só nos empatam.”

Para concluir, estamos a gastar muito dinheiro com programas muito ambiciosos. Mas a atribuição do financiamento é pouco rigorosa. E não sobra financiamento para muitas áreas e tópicos, o que está a deixar em grandes dificuldades a maioria da ciência e tecnologia portuguesas. É uma crítica que ouço da parte de muitos colegas portugueses de todas as áreas.

Que tal se o financiamento de Governo para a ciência fosse maioritariamente para as universidades e os laboratórios do Estado fazerem o seu trabalho de investigação e de desenvolvimento em todas as áreas da ciência e tecnologia, um trabalho honesto, consistente e de qualidade? Se não houver financiamento para cada professor ou investigador poder orientar dois ou mais alunos de doutoramento, pelo menos os professores com um bom currículo deveriam poder gerir uma bolsa. E que tal se o Governo facilitasse a abertura de canais directos entre as empresas e as universidades, em vez de financiar programas público-privados complicados e burocráticos? Só depois de estes dois mecanismos básicos funcionarem pode frutificar o apoio de programas específicos. Por favor deixem a academia e os jovens trabalharem para melhorar a nossa ciência, a nossa tecnologia, a nossa economia e o nosso futuro.


10 hábitos de casais felizes

A saber:

1. Vão para a cama ao mesmo tempo
2. Cultivam interesses comuns
3. Andam de mãos dadas ou lado a lado
4. Adotam um padrão de confiança e perdão
5. Valorizam mais o que se faz certo do que aquilo que se faz errado
6. Abraçam-se, logo que se encontram depois do trabalho
7. Dizem "amo-te" e "bom dia" todas as manhãs, ou melhor: Eu amo-te hoje!
8. Dizem "Boa noite", todas as noites, independentemente de como se sentem
9. Fazem um "intervalo" durante o dia
10. Têm orgulho de serem vistos juntos

Mais informação:

http://www.hipercurioso.com/10-habitos-de-casais-felizes/

2014-05-18

650 Anos da Universidade de Cracóvia

JOÃO CARLOS ESPADA Público, 12/05/2014

As universidades americanas são apenas universidades europeias que vivem do outro lado do Atlântico.

Durante três dias intensivos, de sexta a domingo, a Universidade Jagielloniana de Cracóvia celebrou 650 anos. Representantes de dezenas de universidades europeias, americanas e asiáticas participaram no programa. Foi uma rara oportunidade para celebrar a ideia de universidade e explorar a intrigante natureza de uma das mais antigas instituições europeias que ainda hoje perdura.

A Universidade de Copérnico e de João Paulo II foi fundada em 1364. Mantém desde essa época o lema Plus Ratio Quam Vis, a razão acima da força, ou do poder. Este foi aliás o lema gravado na Medalha de Ouro atribuída ao único político agraciado na cerimónia, o presidente da Comissão Europeia, o português José Manuel Durão Barroso.

Plus Ratio Quam Vis é uma excelente expressão da ideia de universidade, tal como ela emergiu, sem ser planeada, da tradição grega e cristã. Foi esta ideia que discutimos na passada sexta-feira em Cracóvia, num debate promovido pelo Europaeum, um consórcio que reúne dez das mais antigas universidades europeias, e que obviamente se associou aos festejos dos 650 anos da Jagielloniana.

No centro desta ideia de universidade está a busca desinteressada do saber. Acreditamos que muitas consequências positivas advirão dessa busca, mas não são essas consequências que justificam ou norteiam a busca do saber. A busca do saber justifica-se a si mesma pelo encanto de perguntar, de admirar o desconhecido, de reconhecer o mistério não desvendado. Michael Oakeshott descreveu memoravelmente esta ideia de universidade:

"A dádiva da universidade é a dádiva de um intervalo. (...) Aqui está um intervalo no tirânico curso de eventos irreparáveis; um período no qual podemos olhar para o mundo e para nós próprios sem o sentimento de ter um inimigo pelas costas ou a pressão insistente para tomar uma decisão ou tomar partido; um momento no qual podemos experimentar o mistério sem ter a necessidade de imediatamente ter de encontrar uma solução. E tudo isto, não num vácuo intelectual, mas rodeados por toda a herdada aprendizagem, literatura e experiência da nossa civilização; não sozinhos, mas na companhia de espíritos congéneres; não como uma ocupação solitária, mas em combinação com a disciplina de estudo de uma área reconhecida do saber."

A autonomia e a independência são as cruciais condições para poder manter este "espírito de intervalo" que Oakeshott atribui à universidade. Ao longo dos séculos, as universidades lutaram arduamente, e recorrendo a todo o tipo de estratagemas, para tentar preservar a sua autonomia e independência. A Universidade Jagielloniana de Cracóvia não foi excepção e deu seguramente grandes exemplos. Foi durante muitos séculos lar do patriotismo polaco, perseguido pelas várias potências ocupantes, a Prússia, a Áustria e a Rússia. No século XX, resistiu aos fundamentalismos rivais nacional-socialista e comunista.

Neste fim-de-semana, ao admirarmos a beleza dos velhos edifícios centenários da Jagielloniana, interrogamo-nos sobre essa força interior de autonomia e independência que define a universidade desde os primórdios. Estará ela ainda presente entre nós? Não estaremos ameaçados pela dependência crescente do financiamento estatal e da crescente regulamentação burocrática? Este foi sem dúvida o alerta dominante que soou na belíssima Aula do Collegium Maius de Cracóvia.

Paradoxalmente, talvez seja nas mais jovens universidades norte-americanas que possamos encontrar inspiração para preservar a ancestral independência da universidade. O seu traço distintivo é a variedade: muitas são privadas, outras estatais, outras religiosas. Todas cobram propinas, oferecendo bolsas de estudo a quem precisa e merece, e todas recorrem a diversas fontes de financiamento. Talvez não por acaso, são as universidades americanas que ocupam os primeiros lugares dos inúmeros rankings internacionais.

Em bom rigor, não existe um sistema americano de universidade. Existem vários sistemas descentralizados. Nessa variedade, encontra-se o ancestral mistério das universidades europeias – que foram resultado de uma cultura comum, mas não de um plano comum. As universidades americanas são por isso apenas universidades europeias que vivem do outro lado do Atlântico. Elas são as nossas sobrinhas mais novas que respeitosamente se reuniram a nós em Cracóvia, neste último fim-de-semana. Em conjunto, celebrámos esse misterioso espírito da universidade europeia, que insiste em perdurar: Plus Ratio Quam Vis.