2014-04-29

Decálogo da Quotidianeidade

Ângelo Giuseppe Roncalli - SÃO JOÃO XXIII

i - Procurarei viver pensando apenas no dia de hoje, exclusivamente neste dia, sem querer resolver todos os problemas da minha vida de uma só vez.

ii - Hoje, apenas hoje, procurarei ter o máximo cuidado na minha convivência, cortês nas minhas maneiras, a ninguém criticarei, nem pretenderei melhorar ou corrigir à força ninguém, senão a mim mesmo.

iii - Hoje, apenas hoje, serei feliz. Na certeza de que fui criado para a felicidade, não só no outro mundo, mas também já neste.

iv - Hoje, apenas hoje, adaptar-me-ei às circunstâncias, sem pretender que sejam todas as circunstâncias a se adaptarem aos meus desejos.

v - Hoje, apenas hoje, dedicarei 10 minutos do meu tempo a uma boa leitura, recordando que assim como o alimento é necessário para a vida do corpo, a boa leitura é necessária para a vida da alma.

vi - Hoje, apenas hoje, farei uma boa acção, e não direi a ninguém.

vii - Hoje, apenas hoje, farei ao menos uma coisa que me custe fazer, e se me sentir ofendido nos meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba.

viii - Hoje, apenas hoje, executarei um programa pormenorizado, talvez não o cumpra perfeitamente, mas ao menos escrevê-lo-ei, e fugirei de dois males, a pressa e a indecisão.

ix - Hoje, apenas hoje, acreditarei firmemente, embora as circunstâncias mostrem o contrário, que a Providência de Deus se ocupa de mim, como se não existisse mais ninguém no mundo.

x - Hoje, apenas hoje, não terei nenhum temor, de modo especial não terei medo de gozar o que é belo, e de crer na bondade.

posso bem fazer por doze horas
aquilo que me atormentaria
se pensasse ter que fazê-lo por toda a vida

Fonte: http://www.papagiovanni.com/sito/pensiero/giornale-dell-anima.html

2014-04-27

A lógica das coisas

VASCO PULIDO VALENTE | Público | 27/04/2014

Desde o princípio da revolução francesa que se aprendeu uma verdade elementar: a identificação dos direitos políticos com os direitos "sociais" leva sempre à perda dos direitos políticos, sem promover os direitos "sociais". Foi este o peso que tarde ou cedo acabou por derrotar e quebrar a esperança de centenas ou milhares de movimentos que aspiravam a mudar radicalmente o mundo.

Ou, se quiserem, para resumir o problema por outras palavras, a liberdade não é na prática compatível com a igualdade. A igualdade tem de ser imposta e essa imposição degenera rapidamente em ditadura e, a seguir, a ditadura em terror. Como sucedeu aos jacobinos de Robespierre, aos socialistas de 1848, aos bolcheviques de Lenine, aos cubanos de Castro e a um número infindável de aprendizes de feiticeiro.

Luís XVI, conduzido como sempre pelo espírito do tempo, fez juntar ao voto os "cadernos de lamentos" (cahiers de doléances) das populações. O que levou, evidentemente, as populações a presumir que os Estados Gerais se reuniam não só para fazer uma constituição para a França mas também para pôr fim de uma vez à miséria e à injustiça de séculos. Esta ideia, como se compreenderá, tornou impossível a existência de qualquer governo, porque as dificuldades materiais (a falta de géneros básicos, o preço do pão, a inflação geral) começaram a ser compreendidas como traições à pátria e à liberdade; e os "traidores" que viviam melhor a ser guilhotinados (aristocratas, ricos, comerciantes, merceeiros e por aí fora). Em última análise, tudo isto trouxe o despotismo militar de Napoleão.

Sem querer dar um grande salto do trágico para o trivial, no Portugal de 2014, a retórica da liberdade e a retórica da igualdade estão pouco a pouco a confluir. Na esquerda, claro, e até numa certa direita populista e cristã. Quando, por exemplo, se diz que não há um Estado democrático, se não houver um Estado docial, este postulado implica que o poder político não é legítimo se diminuir os salários do funcionalismo, ou as pensões dos reformados, ou se o Serviço de Saúde e a escola pública não forem suficientemente financiados. Pior ainda: uma nova espécie de "revolucionários" põe como seu objectivo estratégico, numa perfeita fusão da liberdade e da igualdade, a luta contra "a ditadura da fome", "a ditadura da austeridade" e a "ditadura do desemprego". Manuel Alegre, que proclamou este novo programa da República, não sabe com certeza onde deve e pretende parar. Mas se a sua luminosa lógica se expandir e prevalecer, a força passará a dominar a política: a força da esquerda ou a da direita. É a lógica das coisas.

2014-04-22

O governo é dono das pessoas ou as pessoas são donas do governo?

JOÃO CARLOS ESPADA Público | 21/04/2014 - 02:13

Quando se pergunta se o 25 de Abril valeu a pena o sinal é muito sério.

Esta pergunta foi feita insistentemente por Winston Churchill, em discurso após discurso, a partir de 1933, data em que Hitler chegou ao poder. Repetia-a vezes sem conta. Retomou-a num discurso radiofónico dirigido aos italianos, em 1944, e depois na Universidade de Leiden, na Holanda, em 1946. Umas vezes a pergunta era dirigida contra as ditaduras de Hitler e Mussolini, outras contra a ditadura de Staline e seus apaniguados.

Vale a pena recordar a pergunta de Churchill a propósito das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril. Jornais e revistas, rádios e televisões têm repetido a pergunta: "o 25 de Abril valeu a pena?". Todas as perguntas são boas para começar uma conversa. Mas esta, francamente, não dá para grande conversa. É óbvio que valeu a pena -- pela simples razão de que o regime existente antes do 25 de Abril era absurdo.

A pergunta realmente pertinente é quase oposta: como foi possível aturar uma ditadura em Portugal durante 48 anos? Porque é que a ditadura só caiu em 1974? Essas são perguntas difíceis e eventualmente embaraçosas.

Em 1215 – repito, em 1215 – a Magna Carta declarava que o Rei não podia prender um súbdito sem uma acusação formulada à luz da lei. Que todos os súbditos tinham direito a um julgamento leal pelos seus pares. Que a ninguém podia ser vedado o direito de viajar ao estrangeiro. Que o Rei não podia confiscar a propriedade dos súbditos, nem cobrar impostos sem o consentimento destes.

Isto passou-se em 1215. Em 24 de Abril de 1974 – e, em bom rigor, até pelo menos 26 de Novembro de 1975 – estes preceitos não eram respeitados em Portugal.

Em nome de quê? Por que razão? Os historiadores saberão dizer-nos mais em detalhe. Mas, em termos de teoria política, as razões do Dr. Salazar e do Prof. Marcelo Caetano eram de natureza semelhante à das que foram papagueadas pelos comunistas após o 25 de Abril e até ao 25 de Novembro.

As razões aduzidas para não respeitar os preceitos da Magna Carta de 1215 eram basicamente as seguintes: eles sabiam o que era bom para o país, os outros não; os que discordavam do que era bom eram necessariamente inimigos do bem. Por estas razões, cabia ao governo dos bons dirigir e pastorear as massas, perseguindo e calando os maus. Por outras palavras, Salazar, Caetano, Cunhal e Cia achavam que o governo era dono das pessoas, não que as pessoas eram donas do governo.

Vale agora a pena recordar os sete testes que Churchill apresentou para sabermos quem era dono de quem, se o governo do povo ou o povo do governo. Eis os sete testes:

– "Existe liberdade de expressão de opiniões e de oposição e crítica ao governo que se encontra no poder?

– Os cidadãos têm o direito de destituir um governo que considerem censurável e estão previstos meios constitucionais de manifestarem a sua vontade?

– Existem tribunais que estão ao abrigo de violência por parte do executivo ou de ameaças de violência popular e sem nenhumas ligações com partidos políticos específicos?

– Poderão esses tribunais aplicar leis claras e bem estabelecidas que estão associadas, na mente das pessoas, ao princípio geral da dignidade e da justiça?

– Há "jogo leal" para pobres e para ricos, para os cidadãos comuns e para os detentores de cargos públicos?

– Existe a garantia de que os direitos dos indivíduos, ressalvadas as suas obrigações para com o Estado, serão mantidos, afirmados e enaltecidos?

– Está o simples camponês ou operário que ganha a vida trabalhando e lutando diariamente para sustentar a sua família livre do receio de que uma qualquer organização policial sinistra, controlada por um único partido, lhe bata à porta e o leve para a prisão ou para ser sujeito a maus-tratos sem um julgamento justo e público?"

O leitor pode certamente reparar que não se encontra nestes testes de Churchill uma única referência ao conteúdo substantivo das políticas de cada governo. Se é de esquerda, se é de direita, se promove ou se enfraquece o chamado "Estado social". Churchill não perguntava se "a democracia vale a pena" em função de concordarmos ou não com as políticas passageiras do governo transitoriamente em funções.

Quarenta anos depois do 25 de Abril, esta visão churchilliana da democracia não parece ainda enraizada entre nós. Quando se pergunta se o 25 de Abril valeu a pena – e quando a pergunta é levada a sério e se começa a discutir os resultados "deste regime" – o sinal é muito sério. Foi por estas e por outras que a ditadura durou 48 anos entre nós. E foi também por isso que, logo a seguir ao 25 de Abril, por pouco não íamos tendo outra ditadura de sinal contrário.

2014-04-19

Fé, Esperança e Caridade

Reconhecer e seguir Cristo (), gera assim uma atitude existencial característica, em que o homem é um caminhante erguido e infatigável em direção a uma meta não atingida ainda, certo do futuro porque totalmente apoiado na Sua presença (esperança); no abandono e na adesão a Jesus Cristo floresce uma afeição nova a tudo (caridade), que gera uma experiência de paz, a experiência fundamental do homem em caminho.

Luigi Giussani - Cap. VIII de Na Origem da Pretensão Cristã

Boa Páscoa a todos!

2014-04-16

Universidade e pluralismo

JOÃO CARLOS ESPADA - Público - 14/04/2014

Professor universitário, IE-UCP

A ideia de universidade emergiu na Europa de uma cultura comum, por sinal cristã, mas não de um plano comum

Costuma ser dito que ignoramos o Brasil à nossa própria custa. Na semana passada tive oportunidade de observar como isso é verdade. Passei a semana no Rio Grande do Sul, primeiro no 27.ª edição anual do Fórum da Liberdade, depois num colóquio sobre a ideia de universidade na América Latina. Em ambos os casos, pude testemunhar a existência de uma vibrante sociedade civil e de uma forte cultura pluralista.

O Fórum da Liberdade é promovido anualmente pelo Instituto de Estudos Empresariais. Tem lugar na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) de Porto Alegre e reúne cerca de cinco mil pessoas durante dois dias. A ideia de liberdade é discutida em vários painéis temáticos, este ano dedicados à educação, saúde, democracia e Estado de direito, finanças públicas, e livre mercado. Marcelo Rebelo de Sousa e André Azevedo Alves foram os dois oradores portugueses num vasto programa com oradores brasileiros, norte-americanos e latino-americanos.

O tema da liberdade voltou a estar presente no colóquio mais restrito que se seguiu ao fórum, dedicado à ideia de universidade na América Latina. Durante três dias, universitários brasileiros, latino-americanos e portugueses debateram o tema num ambiente de grande abertura intelectual. No centro dos debates estavam três interrogações centrais: (1) como deve ser entendida a ideia clássica de universidade?; (2) como é que essa ideia foi entendida e/ou ignorada na América Latina?; (3) qual é a viabilidade da ideia clássica de universidade nos tempos actuais?

Sobre a ideia clássica de universidade, estudámos e discutimos textos de John Henry Newman, do chileno Andres Bello (cujo nome foi recentemente adoptado por The Economist para a coluna de opinião semanal sobre a América Latina), do espanhol Ortega y Gasset, do inglês Oakeshott e de Michael Polanyi. Em todos eles se encontra a mesma preocupação de distinguir a universidade da mera formação profissional ou técnica, e de preservar um espaço de educação humanista claramente separada da doutrinação político-ideológica.

Esta ideia clássica de universidade tem estado presente no Brasil e na América Latina, mas sofreu distorções e ameaças de vários tipos. Textos dos brasileiros Antonio Paim e Simon Schwartzman recordaram algumas das visões ideológicas que procuraram capturar e instrumentalizar a ideia clássica de universidade: o positivismo no século XIX, o marxismo e o fascismo no século XX.

É possível detectar pelo menos três traços comuns principais nos diferentes entendimentos do positivismo, do marxismo e do fascismo a respeito da universidade. Em primeiro lugar, todos eles vêem a universidade sobretudo como um instrumento ao serviço de um propósito que é exterior à universidade. Em segundo lugar, todos eles assumem que a universidade deve adoptar um modelo único, obrigatório, igual para todos, e centralmente planeado. Finalmente, todos eles defendem a submissão da universidade ao poder político.

É importante recordar que todas estas visões instrumentais da universidade – quer do positivismo, quer do marxismo, quer do fascismo – foram defendidas em nome da modernização, da ciência e da técnica, e da ideia de futuro como corte com o passado. Essas ideias foram apresentadas contra as clássicas visões  pluralistas associadas ao liberalismo e ao cristianismo – visões que foram acusadas de serem prisioneiras do passado.

Uma pergunta pode talvez ser pertinente: porque é que os positivistas, os marxistas e os fascistas não criaram simplesmente universidades privadas de tipo positivista, marxista ou fascista? Porque é que apresentaram sempre a sua proposta como a única verdadeira ideia de universidade, que tem de ser centralmente desenhada e adoptada por todos?

Uma resposta possível é que positivistas, marxistas e fascistas acreditavam que sabiam, sem saberem que acreditavam. Essa arrogância fatal – como lhe chamaram Karl Popper e F. A. Hayek – levou-os ao erro crucial de imaginar que todas as instituições são produto de um plano anterior à sua própria emergência. Mas não são. A ideia de universidade emergiu na Europa de uma cultura comum, por sinal cristã, mas não de um plano comum. E no centro da cultura europeia comum, a cultura ocidental, estava um traço distintivo relativamente às culturas orientais centralizadas: a ideia de pluralismo e de autonomia da universidade.

2014-04-09

Seis ideias para amar mais a nossa mulher

Aqui ficam 6 sugestões a experimentar!

1) Pergunte como foi o dia dela antes de começar a falar do seu.

2) Agradeça a ela explicitamente, todos os dias, por trabalhar pela família.

3) Aprecie sempre o que ela faz por você, mesmo que não seja feito com perfeição.

4) Se algo precisa ser feito e vocês dois estão cansados, disponha-se a fazê-lo primeiro.

5) Elogie sua mulher todos os dias: não espere pelas datas especiais.

6) Dedique tempo aos seus filhos à noite, e tempo de qualidade.

Seis ideias simples para você começar hoje a amar a sua esposa mais ainda - Aleteia

2014-04-01

A cigarra, a formiga e a matemática

Inês Teotónio Pereira | ionline | 2014.03.28

Eu, tal como a formiga, prefiro ter todo o trabalho agora, do que deixar o meu futuro nas mãos da segurança social

Partindo do princípio realista de que são os meus filhos que me vão sustentar na velhice e não a Segurança Social, penso muitas vezes naquilo que eles vão ser quando forem grandes. O facto de ter seis filhos também tem a ver com isso, confesso. Seis filhos, ao contrário do que as pessoas pensam não é uma opção totalmente altruísta, corajosa, etc.

Estão a ver a história da formiguinha e da cigarra? Ora, a formiguinha sou eu; a cigarra são todos aqueles que já foram à neve este ano, que gastam o subsídio de férias nas férias e não em material escolar, que têm a casa sempre arrumada, que dormem a noite toda sem interrupções de choros de bebé, que quando entram num centro comercial para comprar uns sapatos saem de lá com uns sapatos novos e não com roupa nova para as crianças e que guiam carros de cinco lugares e não camionetas de mudança.

Eu, tal como a formiga, prefiro ter todo o trabalho agora, do que deixar o meu futuro nas mãos da Segurança Social. Não é que eu confie plenamente nos meus filhos, mas eles, ao contrário da Segurança Social, ainda não estão falidos.

No entanto, eu não sei como será o futuro dos meus meninos. Não sei eu, não sabem as escolas, não sabem os economistas nem sabem os visionários. Ninguém sabe, porque ninguém sabe como Portugal ou mundo vão estar daqui a cinco anos, quanto mais daqui a 15 ou 20. Ninguém sabe se no futuro vão ser precisos canalizadores, engenheiros, artistas plásticos, gestores, cozinheiros, advogados ou auxiliares de medicina dentária. Os meus filhos não se preocupam com assunto: quase todos querem ser futebolistas, um deles quer ser treinador de futebol e a única rapariga ambiciona ser mãe. Temo, portanto, o pior. Temo que a minha reforma não esteja assegurada convenientemente visto que nenhum deles se revelou uma jovem promessa do futebol português.

No entanto, sei que ainda vou a tempo de os impedir de aderirem ao clube de futebol as Andorinhas. Como? Com a matemática. Eu estou absolutamente convicta de que quem se safa neste mundo percebe matemática e que a grande parte das pessoas que foram para áreas disciplinares que não incluem matemática foram apenas para fugir à matemática. Todos os outros, ambicionam ser cantores, actores ou futebolistas.

E qual a importância da matemática na minha análise empírica? Segundo eu, quem percebe de matemática pode ser também especialista em história, mas um advogado ou um historiador será sempre uma nulidade nas derivadas. É injusto, mas é mesmo assim.

Nenhum dos meus filhos teve ainda de escolher áreas disciplinares, por isso, estão irremediavelmente presos à matemática, com grande responsabilidade dos seus progenitores que saltam da cadeira quando a nota a matemática é boa e ficam sentados quando a nota a outra disciplina qualquer é boa. Só que cheguei agora a um impasse: eu não percebo nada de funções e os meus filhos estão a dar funções. Ou seja, a partir de agora a matemática fugiu ao meu controlo e depende deles entenderem-se com ela. Não há nada que eu possa fazer para os convencer a gostarem um do outro.

Ao contrário do que dizem não são as hormonas as principais responsáveis pelo corte do cordão umbilical, mas sim as funções. No dia em que os nossos filhos começam a perceber matemática mais do que os pais (ou apenas mais do que um deles), emanciparam-se. Esse dia chegou para dois dos meus filhos. A minha sorte é que tenho seis. Lá está: eu armazeno filhos, tal como a formiga armazenou comida para passar o Inverno. Daqui a 30 anos logo digo se resultou ou não.