Inês Teotónio Pereira | A Batalha | 25 Março, 2014
Os meus filhos são religiosos por natureza. Acreditam na fada dos dentes, em Jesus, no Pai Natal, no coelho da Páscoa e em qualquer fantasia que alguém se lembre de inventar. Eles têm medo de fantasmas, de bruxas e do anjo da guarda. E até acreditam na possibilidade de algum jacaré se esconder debaixo da cama deles durante a noite, o que faz deles seres muito mais corajosos do que nós: todas as noites eles têm um desafio para superar e um monstro para derrotar. Nós não, nós sabemos que debaixo da cama só estão coisas por arrumar. Eles vivem o dia-a-dia, não planeiam o futuro, querem sempre mais do que aquilo que têm, têm muito pouco sentido de humor – ou um sentido de humor muito pouco sofisticado -, acham que o dinheiro cresce nas paredes onde estão as caixas de multibanco e quando não há mais dinheiro na carteira vai-se buscar parede. Ora, isto faz deles pequenos socialistas – tenho esperança que com a idade lhes passe – mas para já os meus filhos são socialistas e sindicalistas. Os meus filhos também são filósofos, eles estão sempre à procura de respostas. Querem saber porque é que vivem, porque é que morrem, para onde vão quando morrerem, como nascem os bebés, como nascem os dentes, porque é que as estrelas não caiem, onde está o senhor que aparece na televisão, qual é o sabor dos detergentes da loiça, etc. Eles não param de pensar em coisas e de fazer de nós parvos porque não fazemos ideia de 90 por cento das respostas. Eles acham que nós somos perfeitos e nós estamos sempre a fazê-los ver que eles podiam ser mais perfeitos. É tramado, mas é para o bem deles… Todos os dias os meus filhos desafiam a minha personalidade, o meu feitio, a minha paciência, o meu sentido de humor, a minha serenidade, a minha inteligência e a minha resistência. E todos os dias eu os desafio de volta. Eles ganham sempre e assim nos vamos educando uns aos outros travando uma maravilhosa batalha diária. Sou mãe de 6 filhos e também estou deputada. Podia ser outra coisa qualquer, mas por agora estou deputada. Os meus filhos não ligam patavina à função e os dois mundos não se cruzam. Só de vez em vez, quando tenho de lhes dar um raspanete ao telefone em directo do Plenário. Mas é raro. Um dia levei-os à Assembleia da República e estive três dias a explicar-lhes que, apesar de os deputados se interromperem uns aos outros, de falarem aos gritos e de não estarem com atenção ao que os outros dizem, não quer dizer que eles se possam portar da mesma maneira. Os meus filhos são iguais aos filhos de toda a gente. São crianças e as crianças são todas iguais assim como nós adultos somos todos iguais, apenas com ligeiras diferenças – todos nós abrandamos para ver um desastre, enlouquecemos com promoções e vendemos a avó para ter o último ipad. Podia ter escrito um livro sobre nós – mas isso Miguel Esteves Cardoso já escreveu vários e qualquer coisa escrita por mim não acrescentaria nada, seria até ridículo. Por isso, resolvei explorar a criançada. Como tenho seis filhos não preciso de sair de casa para fazer trabalho de investigação. Basta abrir a porta do quarto e tenho um argumento original a cada minuto. O Humor de Mãe é mesmo isso – humor. Ter filhos e viver com eles é rir o dia todo de nós e deles. Ninguém, nenhum comediante vivo ao morto, consegue chegar aos calcanhares dos nossos filhos. Os fins do dia, os trabalhos de casa, as crises de adolescência, as perguntas, as brincadeiras, os medos, a imaginação e até as birras, são, antes de tudo, cenas de comédia. Tudo isto dá para vários livros. Humor de Mãe é um.
2014-03-27
2014-03-18
Debaixo das estrelas
MIGUEL ESTEVES CARDOSO - PÚBLICO - 12/03/2014
O tempo nas estrelas está no passado, mas é agora que a luz delas nos chega.
Voltou a sombra e voltaram as estrelas. Voltaram no céu de segunda-feira à noite, que estava cheio delas, sem uma única nuvem. A temperatura lá fora ainda não era morna, mas já não era fria de ficar fechado em casa, de costas para as galáxias.
Estamos na parte mais enganadora e deliciosa de Março, em que a ilusão da Primavera conhece picos de delírio de já estarmos perto do Verão. Em noites estreladas em que o ar tépido está parado, como se o vento respeitasse a nossa observação dos astros, basta inclinar a cabeça para olhar para o infinito cintilante e perdemo-nos mais uma vez.
Quase cheira a Verão: é da tontura da nossa pequenez. A Terra pode não ser o centro do universo, mas parece – e a parecença tem muita força. Se é tudo visto daqui, onde estamos, é difícil desconvencermo-nos de que não está tudo à nossa volta.
Portugal também está na ponta da Europa, mas, para quem cá está, numa noite morna, a olhar para as estrelas da noite, rodeado pelo mar aluado, apetece jurar que aqui é o meio do mundo, onde o mundo pára para pensar.
O tempo nas estrelas está no passado – algumas já morreram há muito tempo – , mas é agora que a luz delas nos chega. E agora, tal como aqui, também tem muita força.
É bom sabermos destas ilusões e que, com um pouco de trabalho, descobriríamos como é que as coisas são realmente. Aumenta o prazer não nos darmos a esse trabalho e satisfazermo-nos com o engano, pensando que todas as estrelas vão dar a cada um de nós.
O tempo nas estrelas está no passado, mas é agora que a luz delas nos chega.
Voltou a sombra e voltaram as estrelas. Voltaram no céu de segunda-feira à noite, que estava cheio delas, sem uma única nuvem. A temperatura lá fora ainda não era morna, mas já não era fria de ficar fechado em casa, de costas para as galáxias.
Estamos na parte mais enganadora e deliciosa de Março, em que a ilusão da Primavera conhece picos de delírio de já estarmos perto do Verão. Em noites estreladas em que o ar tépido está parado, como se o vento respeitasse a nossa observação dos astros, basta inclinar a cabeça para olhar para o infinito cintilante e perdemo-nos mais uma vez.
Quase cheira a Verão: é da tontura da nossa pequenez. A Terra pode não ser o centro do universo, mas parece – e a parecença tem muita força. Se é tudo visto daqui, onde estamos, é difícil desconvencermo-nos de que não está tudo à nossa volta.
Portugal também está na ponta da Europa, mas, para quem cá está, numa noite morna, a olhar para as estrelas da noite, rodeado pelo mar aluado, apetece jurar que aqui é o meio do mundo, onde o mundo pára para pensar.
O tempo nas estrelas está no passado – algumas já morreram há muito tempo – , mas é agora que a luz delas nos chega. E agora, tal como aqui, também tem muita força.
É bom sabermos destas ilusões e que, com um pouco de trabalho, descobriríamos como é que as coisas são realmente. Aumenta o prazer não nos darmos a esse trabalho e satisfazermo-nos com o engano, pensando que todas as estrelas vão dar a cada um de nós.
2014-03-17
Educar em coligação
Inês Teotónio Pereira
ionline, 2014-03-15
Para evitar a anarquia é importante que os pais entrem em negociações e cedências permanentes
O grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista das mães é que os filhos também são educados pelas pais e o grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista dos pais é que os filhos também são educados pelas mães. Raramente um dos pais tem o poder absoluto. Qualquer pai é obrigado a educar em coligação, o que força necessariamente a acordos, negociações, cedências, discussões, amuos ou divergências profundas. Na educação, o acordo entre as partes é fundamental ou a criança desgoverna-se, o governo cai, a anarquia instala-se e não há manifesto, mesmo que sejam 700 os anciãos subscritores, que meta ordem na casa.
O principal fado dos pais é mesmo este: negociações permanentes. Começa logo com o nome. A escolha do nome é quase a mesma coisa que a escolha do ministro das Finanças num governo de coligação: quem tem mais força foi quem escolheu Vítor Gaspar, por exemplo. Com os pais é a mesma coisa: quem escolhe o nome do primeiro filho está em vantagem. O segundo já é como a escolha do ministro da Economia, por exemplo - é importante, mas pronto, é o segundo.
Mesmo quando não é combinado explicitamente, também entre os pais se distribuem pelouros. Nas regras do estudo manda um e nas regras da televisão manda outro; para dar palmadas há um com mais aptidão, mas para neutralizar as birras recorre-se ao mais pacífico; nas conversas sobre temas existenciais, depende dos temas; quando é para mandar para a cama, há sempre um que tem a palavra final e para as doenças há o pai que fala com o médico de forma racional e o outro encarregado dos mimos; também no que toca à generosidade há o mãos- -largas e o forreta.
Se cada um souber o seu lugar e se estiverem os dois dispostos a ceder e a negociar, a criança lá vai sendo educada; se não souberem, a criança prepara motins diários e a principal missão dos pais deixa de ser educar e passa a ser a manutenção da ordem doméstica. Instala-se o estado de sítio, portanto.
Ora para evitar a anarquia é por isso importante que os pais entrem em negociações e cedências permanentes. Estafante, é verdade, mas numa coligação nada é fácil.
Quando os pais discutem sobre os seus pelouros, ou seja, quando o pai das regras do estudo quer proibir a criança de jogar computador porque ela teve negativa a Matemática e outro está contra, os pais entram em conversações. E o melhor é fazer como os ministros que se fecham em Conselho de Ministros e só sai cá para fora o que interessa que se saiba. Também os pais devem conversar à porta fechada até chegarem a um entendimento e só depois comunicar à criança se ela pode ou não jogar computador apesar da negativa a Matemática. É fundamental que a criança não assista à discussão, porque se a decisão for em seu desfavor ela vai fazer tudo por tudo para denunciar o acordo alcançado usando os argumentos que a mãe ou o pai usaram em seu favor. E está tudo estragado. Deixar uma criança assistir a uma negociação entre os pais é a mesma coisa que um governo deixar a CGTP ou a comunicação social assistir a um Conselho de Ministros em que se discute o corte das pensões. É convidar o caos.
Os pais, ao contrário dos governos, não podem ser demitidos, demitir-se, romper coligações e nunca vão a eleições. Por isso, educar filhos é trabalhar em permanente coligação apesar das contestações, das birras e das tendências de cada um. É que nas famílias os pais não caem, quem cai são os filhos. A alternativa é fazer como eu: encontrar um marido que é um pai carismático, daqueles que raramente se enganam, nunca têm dúvidas mas confiam na sogra.
ionline, 2014-03-15
Para evitar a anarquia é importante que os pais entrem em negociações e cedências permanentes
O grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista das mães é que os filhos também são educados pelas pais e o grande desafio da educação dos filhos do ponto de vista dos pais é que os filhos também são educados pelas mães. Raramente um dos pais tem o poder absoluto. Qualquer pai é obrigado a educar em coligação, o que força necessariamente a acordos, negociações, cedências, discussões, amuos ou divergências profundas. Na educação, o acordo entre as partes é fundamental ou a criança desgoverna-se, o governo cai, a anarquia instala-se e não há manifesto, mesmo que sejam 700 os anciãos subscritores, que meta ordem na casa.
O principal fado dos pais é mesmo este: negociações permanentes. Começa logo com o nome. A escolha do nome é quase a mesma coisa que a escolha do ministro das Finanças num governo de coligação: quem tem mais força foi quem escolheu Vítor Gaspar, por exemplo. Com os pais é a mesma coisa: quem escolhe o nome do primeiro filho está em vantagem. O segundo já é como a escolha do ministro da Economia, por exemplo - é importante, mas pronto, é o segundo.
Mesmo quando não é combinado explicitamente, também entre os pais se distribuem pelouros. Nas regras do estudo manda um e nas regras da televisão manda outro; para dar palmadas há um com mais aptidão, mas para neutralizar as birras recorre-se ao mais pacífico; nas conversas sobre temas existenciais, depende dos temas; quando é para mandar para a cama, há sempre um que tem a palavra final e para as doenças há o pai que fala com o médico de forma racional e o outro encarregado dos mimos; também no que toca à generosidade há o mãos- -largas e o forreta.
Se cada um souber o seu lugar e se estiverem os dois dispostos a ceder e a negociar, a criança lá vai sendo educada; se não souberem, a criança prepara motins diários e a principal missão dos pais deixa de ser educar e passa a ser a manutenção da ordem doméstica. Instala-se o estado de sítio, portanto.
Ora para evitar a anarquia é por isso importante que os pais entrem em negociações e cedências permanentes. Estafante, é verdade, mas numa coligação nada é fácil.
Quando os pais discutem sobre os seus pelouros, ou seja, quando o pai das regras do estudo quer proibir a criança de jogar computador porque ela teve negativa a Matemática e outro está contra, os pais entram em conversações. E o melhor é fazer como os ministros que se fecham em Conselho de Ministros e só sai cá para fora o que interessa que se saiba. Também os pais devem conversar à porta fechada até chegarem a um entendimento e só depois comunicar à criança se ela pode ou não jogar computador apesar da negativa a Matemática. É fundamental que a criança não assista à discussão, porque se a decisão for em seu desfavor ela vai fazer tudo por tudo para denunciar o acordo alcançado usando os argumentos que a mãe ou o pai usaram em seu favor. E está tudo estragado. Deixar uma criança assistir a uma negociação entre os pais é a mesma coisa que um governo deixar a CGTP ou a comunicação social assistir a um Conselho de Ministros em que se discute o corte das pensões. É convidar o caos.
Os pais, ao contrário dos governos, não podem ser demitidos, demitir-se, romper coligações e nunca vão a eleições. Por isso, educar filhos é trabalhar em permanente coligação apesar das contestações, das birras e das tendências de cada um. É que nas famílias os pais não caem, quem cai são os filhos. A alternativa é fazer como eu: encontrar um marido que é um pai carismático, daqueles que raramente se enganam, nunca têm dúvidas mas confiam na sogra.
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