Em defesa da ideia de Universidade
João Carlos Espada | Público | 27/01/2014
Tenho seguido com perplexidade crescente o chamado debate sobre a chamada política de ciência nacional – recentemente acentuado pelo alegado "corte brutal" de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento da FCT. É um espectáculo penoso, que põe em causa algumas regras essenciais de boa conduta que sempre distinguiram a vida universitária. Quem valoriza a ideia de Universidade e compreende o papel crucial que ela tem desempenhado na civilização ocidental deve prestar atenção – e deve ficar preocupado.
Em primeiro lugar, há o cortejo de intervenções públicas insultuosas de colegas contra colegas e contra instituições universitárias específicas, incluindo neste jornal. É uma primeira crucial regra universitária a ser quebrada. Em vez de argumentos e de respeito mútuo, o debate é manchado por acusações pessoais e insinuações torpes. Esta atitude é totalmente contrária à elevação que deve caracterizar a vida universitária. Sem essa elevação, seria impossível o livre inquérito que deve distinguir a atmosfera da Universidade.
Mas, mais grave do que os insultos pessoais – que ficam exclusivamente com quem os pratica – é a politização ostensiva desses insultos. Um princípio fundamental da vida universitária é que as divergências político-partidárias ficam à porta. Na Universidade não há lugar para ortodoxias políticas. Todos os argumentos são à partida aceites para escrutínio, com base nos seus próprios méritos intelectuais. Não há "ciência proletária", nem "ciência burguesa", nem ciência com adjectivos. Tudo o que há é ciência: um espaço aberto de conjecturas e refutações, de conhecimento tentativo e falível, onde não há lugar a doutrinas políticas oficiais.
Uma das muitas experiências memoráveis que guardei da minha passagem por Oxford foi a intervenção de Ralf Dahrendorf, no início da primeira guerra do Golfo, em 1991. Dirigindo-se aos estudantes e professores do Colégio que dirigia, o St. Antony's, Dahrendorf disse que o país estava em guerra, mas que dentro do Colégio e da Universidade não havia guerra. "Lá fora há uma guerra que é séria, e nós apoiamos os esforços das nossas tropas em defesa da liberdade. Mas é por causa dessa mesma liberdade que dentro do Colégio não há guerra. Todas as opiniões são respeitadas – mesmo as que defendam o inimigo – e todas serão lealmente submetidas à crítica livre e moderada" (cito de memória).
Portugal não está obviamente em guerra. Mesmo que estivesse, segundo Dahrendorf, o espírito de guerra não devia ser admitido no seio da Universidade. Mas, o que nós estamos a assistir, sem estarmos em guerra, é a transposição para o ambiente universitário de uma linguagem de guerra de classes, de guerra civil de classes – que é simplesmente chocante.
É importante recordar que as universidades são das mais antigas instituições da civilização ocidental. Sobreviveram a mudanças de regime, revoluções e contra-revoluções, guerras civis e campanhas de politização de sinal contrário. Onde sobreviveram e sempre que sobreviveram, isso deveu-se a que souberam preservar a sua autonomia e civilidade.
É possível argumentar que essa autonomia foi sendo progressivamente ameaçada à medida que o financiamento das universidades ficou gradualmente mais dependente dos dinheiros públicos – como é o caso dominante entre nós e em vários países da Europa continental. Esta dependência dos dinheiros públicos encoraja o sectarismo. Existindo várias perspectivas em debate, uma das partes recusa a discussão, reclamando do Estado, simplesmente, sempre mais dinheiro aqui e agora.
No entanto, esta é, apenas, a minha opinião particular. Sei que muitos dos meus colegas pensam que a Universidade e a investigação devem ser predominantemente financiadas pelo Estado. Respeito obviamente essa opinião. Mas receio ter de dizer que esses colegas têm uma responsabilidade acrescida na defesa da civilidade do debate actual. O ponto aqui relevante não é o da análise substantiva de políticas para a ciência, onde as opiniões naturalmente divergem. O ponto relevante é a defesa comum, entre colegas com opiniões divergentes, de uma causa comum: a causa da autonomia da Universidade e da civilidade do debate no seu interior.
2014-01-29
2014-01-27
Debate sobre ciência em crise
Aquilo que não tem sido dito no debate sobre a “Ciência em crise”
José Manuel Fernandes | Público | 24/01/2014
Com aquela tendência bem portuguesa para transformarmos tudo num enorme cataclismo, vivemos nos últimos dias a experiência de mais uma "zona de desastre". Desta vez, garante-se, o que está em causa é o futuro da Ciência em Portugal. Como é típico nestas situações, o "consenso" que rapidamente se formou acabou por turvar os termos do debate, que ficou polarizado apenas num dos seus aspectos – desta vez o número de bolsas atribuídas pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) – e ignorou todos os demais componentes.
O ponto de partida para a actual comoção foi a ideia de que teria acabado aquilo a que se chamou "a aposta na Ciência". A prova seria a "diminuição brutal" do número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Na verdade, olhando para os números que este mesmo jornal divulgou domingo passado, e outros que estão disponíveis nas bases de dados públicas, é difícil sustentar a tese de hecatombe.
Em termos globais, o investimento em Ciência em percentagem do PIB atingiu um máximo de 1,64% em 2009 e em 2012 regressara aos valores de 2008, ou seja, a 1,50%. Estes valores não ficam longe da média europeia de 2,07% e colocam Portugal à frente de todos os outros países do Sul da Europa, incluindo a Espanha e a Itália. Mais: quando olhamos para o detalhe das estatísticas, verificamos que dos 0,14% perdidos entre 2009 e 2012, 0,10% foram perdidos pelo sector privado, o que significa que a quebra no sector público foi de apenas 0,04% (Pordata). Estes indicadores são coerentes com os números fornecidos pela FCT para o nível de investimento público (Orçamento e fundos comunitários): depois de um pico de 452 milhões em 2009, o investimento caiu para 412 milhões em 2011 e recuperou para 424 milhões em 2013 (números provisórios), um valor semelhante ao de 2008 (427 milhões).
Estes números não nos mostram uma situação de catástrofe, como se poderia deduzir do tom do debate público. Mostram-nos sim que o rápido crescimento do sistema parou em 2009 e que as verbas públicas investidas em Ciência começaram a diminuir ainda no tempo de Mariano Gago, sendo que o investimento total diminuiu mais no sector privado do que no sector público. Isto significa que, se compararmos com outras áreas afectadas pela actual crise, temos de admitir que este sector acabou por ser dos mais poupados.
Mas se não podemos falar de hecatombe, isso não impede que existam problemas graves. Como o da qualidade da ciência produzida. Ou como o da situação dos bolseiros.
Uma das "verdades sagradas" do actual debate é a de a Ciência produzida em Portugal ser de alta qualidade. A existência de alguns investigadores, em especial jovens investigadores, que têm obtido prémios internacionais reforça essa percepção. Infelizmente, se há em Portugal muitos centros de excelência, o resultados geral do sistema é pouco mais do que mediano, quando não medíocre. Basta pensar no seguinte: no nosso país existiam em 2012 9,2 investigadores por cada 1000 activos, uma percentagem que nos colocava em quinto lugar na Europa, logo atrás dos países nórdicos. Porém, se considerássemos o indicador compósito do Eurostat para a excelência em ciência e tecnologia (um indicador que integra variáveis como o número de publicações científicas ou de patentes), Portugal caía para 19.º lugar, sendo mesmo o pior dos países do Sul da Europa. Em síntese: temos muitos investigadores mas com baixa produtividade.
De facto, como disse a investigadora Maria Mota, recentemente distinguida com o Prémio Pessoa, "caímos no risco de achar que, como crescemos imenso, já estamos no topo e não estamos. Já temos muitos indivíduos que estão ao nível dos melhores, mas sobretudo ao nível promissor". Ao comparar-nos com países como a Alemanha ou a Suíça, esta cientista constata que "lá já não há coisas medíocres", ao contrário do que ainda sucede em Portugal. Por isso Maria Mota a defendeu, numa entrevista que deu em Setembro do ano passado, que era "preciso podar, e estaria talvez na altura de o fazer".
Estas situações de mediocridade não são separáveis do estatuto dos bolseiros, pois os seus problemas são uma das consequências das regras existentes em muitos dos locais onde hoje se faz Ciência. Nesta área, como em muitas outras em Portugal, construímos um país dual.
De um lado temos os professores e investigadores que, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, encheram os quadros das universidades e, depois, dos laboratórios associados. Muitas dessas pessoas estão hoje envelhecidas, nunca tiveram uma qualidade por aí além, mas são inamovíveis por muitos e longos anos. Toda a gente que conhece o sistema sabe do que falo.
Do outro lado temos as gerações que têm vindo a ser formadas nos últimos anos, temos centenas de investigadores com mais valor e mais qualificação do que muitos dos que estão instalados, mas que encontram as instituição cheias e sem vagas. Todos os anos, sempre que mais uma coorte de universitários termina a sua formação, o número dos que ficam à porta do sistema aumenta.
O rápido crescimento do sistema de bolsas de doutoramento e, sobretudo, de pós-doutoramento tornou-se assim não apenas numa tradução do investimento em Ciência, mas numa forma de ir mitigando os problemas de emprego de um número crescente de jovens qualificados. Foi uma solução que só podia acabar mal: quando olhamos para os números verificamos que, mesmo antes da crise, o ritmo de crescimento do número de candidatos era exponencial superior ao ritmo de crescimento das bolsas atribuídas (em 2000 houve 1454 candidatos a bolsas de doutoramento e 309 a de pós-doutoramento, em 2012 foram 4367 a bolsas de doutoramento, três vezes mais, e 2123 a de pós-doutoramento, sete vezes mais). Ou seja, estava a formar-se uma bolha: havia cada vez mais gente à porta do sistema científico, este deixara de poder crescer organicamente, e mais tarde ou mais cedo o Estado deixaria de conseguir continuar a financiar mais e mais bolsas. Foi isso que aconteceu agora. Criara-se entretanto uma espécie de proletariado feito de uma multidão de bolseiros para quem o Estado parece ser o único empregador possível. É um beco sem saída indolor.
Ao discutirmos apenas o número de bolsas não discutimos o que está na origem das dificuldades. Não discutimos, por exemplo, as razões por que as instituições não se renovam e têm tendência para enquistar, como sucedeu, por exemplo, em alguns dos laboratórios do Estado, outrora centros de excelência e que hoje vegetam por entre lamentos relativos à ausência de quadros com menos de 40 anos. Essa discussão seria sempre mais difícil e incomodaria os parceiros do lado, pelo que é mais fácil pedir, "em nome da Ciência", que se alarguem os quadros mesmo quando não há novas formas de financiamento.
Mas a falta de perspectivas dos nossos bolseiros não é apenas consequência do anquilosamento de muitas instituições universitárias e científicas – é também fruto da debilidade do sector privado. Em Portugal apenas três por cento dos doutorados encontraram emprego na indústria, o que compara com médias europeias que andarão nos 40%, ou americanas e asiáticas nos 60%. Esta realidade não se muda de um dia para o outro e não deriva apenas de os nossos industriais investirem pouco em inovação e desenvolvimento, pois também são muito poucos os que, tendo concluído o seu doutoramento, arriscam criar as suas próprias empresas. Há bons exemplos, mas são raros. Até porque falta espírito empreendedor e sobram as dificuldades criadas pela burocracia e pela regulação.
Para além disso continuamos a olhar apenas para o Estado quando há problemas ou falta dinheiro. Mas o Orçamento não dá para tudo. Em 2012 Portugal canalizou para a ciência e desenvolvimento quase 2% do OE (Eurostat), o quarto valor mais elevado da Europa, só superado pela Alemanha, Estónia e Islândia. Isto significa que o défice de financiamento não está do lado dos dinheiros públicos, e que é difícil pedir um esforço ainda maior aos contribuintes. O caminho que está a ser feito pelas instituições que procuram diversificar as suas fontes de financiamento não é por isso apenas necessário e recomendável, tornou-se inevitável.
José Manuel Fernandes | Público | 24/01/2014
Com aquela tendência bem portuguesa para transformarmos tudo num enorme cataclismo, vivemos nos últimos dias a experiência de mais uma "zona de desastre". Desta vez, garante-se, o que está em causa é o futuro da Ciência em Portugal. Como é típico nestas situações, o "consenso" que rapidamente se formou acabou por turvar os termos do debate, que ficou polarizado apenas num dos seus aspectos – desta vez o número de bolsas atribuídas pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) – e ignorou todos os demais componentes.
O ponto de partida para a actual comoção foi a ideia de que teria acabado aquilo a que se chamou "a aposta na Ciência". A prova seria a "diminuição brutal" do número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Na verdade, olhando para os números que este mesmo jornal divulgou domingo passado, e outros que estão disponíveis nas bases de dados públicas, é difícil sustentar a tese de hecatombe.
Em termos globais, o investimento em Ciência em percentagem do PIB atingiu um máximo de 1,64% em 2009 e em 2012 regressara aos valores de 2008, ou seja, a 1,50%. Estes valores não ficam longe da média europeia de 2,07% e colocam Portugal à frente de todos os outros países do Sul da Europa, incluindo a Espanha e a Itália. Mais: quando olhamos para o detalhe das estatísticas, verificamos que dos 0,14% perdidos entre 2009 e 2012, 0,10% foram perdidos pelo sector privado, o que significa que a quebra no sector público foi de apenas 0,04% (Pordata). Estes indicadores são coerentes com os números fornecidos pela FCT para o nível de investimento público (Orçamento e fundos comunitários): depois de um pico de 452 milhões em 2009, o investimento caiu para 412 milhões em 2011 e recuperou para 424 milhões em 2013 (números provisórios), um valor semelhante ao de 2008 (427 milhões).
Estes números não nos mostram uma situação de catástrofe, como se poderia deduzir do tom do debate público. Mostram-nos sim que o rápido crescimento do sistema parou em 2009 e que as verbas públicas investidas em Ciência começaram a diminuir ainda no tempo de Mariano Gago, sendo que o investimento total diminuiu mais no sector privado do que no sector público. Isto significa que, se compararmos com outras áreas afectadas pela actual crise, temos de admitir que este sector acabou por ser dos mais poupados.
Mas se não podemos falar de hecatombe, isso não impede que existam problemas graves. Como o da qualidade da ciência produzida. Ou como o da situação dos bolseiros.
Uma das "verdades sagradas" do actual debate é a de a Ciência produzida em Portugal ser de alta qualidade. A existência de alguns investigadores, em especial jovens investigadores, que têm obtido prémios internacionais reforça essa percepção. Infelizmente, se há em Portugal muitos centros de excelência, o resultados geral do sistema é pouco mais do que mediano, quando não medíocre. Basta pensar no seguinte: no nosso país existiam em 2012 9,2 investigadores por cada 1000 activos, uma percentagem que nos colocava em quinto lugar na Europa, logo atrás dos países nórdicos. Porém, se considerássemos o indicador compósito do Eurostat para a excelência em ciência e tecnologia (um indicador que integra variáveis como o número de publicações científicas ou de patentes), Portugal caía para 19.º lugar, sendo mesmo o pior dos países do Sul da Europa. Em síntese: temos muitos investigadores mas com baixa produtividade.
De facto, como disse a investigadora Maria Mota, recentemente distinguida com o Prémio Pessoa, "caímos no risco de achar que, como crescemos imenso, já estamos no topo e não estamos. Já temos muitos indivíduos que estão ao nível dos melhores, mas sobretudo ao nível promissor". Ao comparar-nos com países como a Alemanha ou a Suíça, esta cientista constata que "lá já não há coisas medíocres", ao contrário do que ainda sucede em Portugal. Por isso Maria Mota a defendeu, numa entrevista que deu em Setembro do ano passado, que era "preciso podar, e estaria talvez na altura de o fazer".
Estas situações de mediocridade não são separáveis do estatuto dos bolseiros, pois os seus problemas são uma das consequências das regras existentes em muitos dos locais onde hoje se faz Ciência. Nesta área, como em muitas outras em Portugal, construímos um país dual.
De um lado temos os professores e investigadores que, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, encheram os quadros das universidades e, depois, dos laboratórios associados. Muitas dessas pessoas estão hoje envelhecidas, nunca tiveram uma qualidade por aí além, mas são inamovíveis por muitos e longos anos. Toda a gente que conhece o sistema sabe do que falo.
Do outro lado temos as gerações que têm vindo a ser formadas nos últimos anos, temos centenas de investigadores com mais valor e mais qualificação do que muitos dos que estão instalados, mas que encontram as instituição cheias e sem vagas. Todos os anos, sempre que mais uma coorte de universitários termina a sua formação, o número dos que ficam à porta do sistema aumenta.
O rápido crescimento do sistema de bolsas de doutoramento e, sobretudo, de pós-doutoramento tornou-se assim não apenas numa tradução do investimento em Ciência, mas numa forma de ir mitigando os problemas de emprego de um número crescente de jovens qualificados. Foi uma solução que só podia acabar mal: quando olhamos para os números verificamos que, mesmo antes da crise, o ritmo de crescimento do número de candidatos era exponencial superior ao ritmo de crescimento das bolsas atribuídas (em 2000 houve 1454 candidatos a bolsas de doutoramento e 309 a de pós-doutoramento, em 2012 foram 4367 a bolsas de doutoramento, três vezes mais, e 2123 a de pós-doutoramento, sete vezes mais). Ou seja, estava a formar-se uma bolha: havia cada vez mais gente à porta do sistema científico, este deixara de poder crescer organicamente, e mais tarde ou mais cedo o Estado deixaria de conseguir continuar a financiar mais e mais bolsas. Foi isso que aconteceu agora. Criara-se entretanto uma espécie de proletariado feito de uma multidão de bolseiros para quem o Estado parece ser o único empregador possível. É um beco sem saída indolor.
Ao discutirmos apenas o número de bolsas não discutimos o que está na origem das dificuldades. Não discutimos, por exemplo, as razões por que as instituições não se renovam e têm tendência para enquistar, como sucedeu, por exemplo, em alguns dos laboratórios do Estado, outrora centros de excelência e que hoje vegetam por entre lamentos relativos à ausência de quadros com menos de 40 anos. Essa discussão seria sempre mais difícil e incomodaria os parceiros do lado, pelo que é mais fácil pedir, "em nome da Ciência", que se alarguem os quadros mesmo quando não há novas formas de financiamento.
Mas a falta de perspectivas dos nossos bolseiros não é apenas consequência do anquilosamento de muitas instituições universitárias e científicas – é também fruto da debilidade do sector privado. Em Portugal apenas três por cento dos doutorados encontraram emprego na indústria, o que compara com médias europeias que andarão nos 40%, ou americanas e asiáticas nos 60%. Esta realidade não se muda de um dia para o outro e não deriva apenas de os nossos industriais investirem pouco em inovação e desenvolvimento, pois também são muito poucos os que, tendo concluído o seu doutoramento, arriscam criar as suas próprias empresas. Há bons exemplos, mas são raros. Até porque falta espírito empreendedor e sobram as dificuldades criadas pela burocracia e pela regulação.
Para além disso continuamos a olhar apenas para o Estado quando há problemas ou falta dinheiro. Mas o Orçamento não dá para tudo. Em 2012 Portugal canalizou para a ciência e desenvolvimento quase 2% do OE (Eurostat), o quarto valor mais elevado da Europa, só superado pela Alemanha, Estónia e Islândia. Isto significa que o défice de financiamento não está do lado dos dinheiros públicos, e que é difícil pedir um esforço ainda maior aos contribuintes. O caminho que está a ser feito pelas instituições que procuram diversificar as suas fontes de financiamento não é por isso apenas necessário e recomendável, tornou-se inevitável.
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2014-01-20
Workshop de Eclipse
Fui convidado pelo Núcleo de alunos de Engenharia Informática do Técnico para dar um Workshop sobre a ferramenta Eclipse, que tanto amor e ódio desperta nos corações dos programadores :)
Espero dar uma ajuda a conhecer melhor a ferramenta, para tirar partido das coisas boas e evitar as coisas más.
Vai haver duas sessões, uma na Alameda na próxima quarta-feira à tarde, e outra no Taguspark na quinta-feira.
Inscrições e informação adicional na página do NEIIST:
http://neiist.ist.utl.pt/node/265
Espero dar uma ajuda a conhecer melhor a ferramenta, para tirar partido das coisas boas e evitar as coisas más.
Vai haver duas sessões, uma na Alameda na próxima quarta-feira à tarde, e outra no Taguspark na quinta-feira.
Inscrições e informação adicional na página do NEIIST:
http://neiist.ist.utl.pt/node/265
2014-01-15
O inevitável que não acontece e o improvável que pode acontecer
João Carlos Espada
12/Janeiro/2014
Faço
votos de que a inevitável radicalização do conflito político de facto
não aconteça. E que o improvável debate racional entre os nossos
partidos democráticos possa de facto acontecer.
O regresso de Varsóvia à pátria Lusa tem certamente as suas doçuras. Mas também algumas agruras. Uma destas reside nos noticiários televisivos, que são incrivelmente longos e passam todas as desgraças nativas com detalhe surpreendente. Um patriota esforça-se por aguentar a tormenta, mas não é fácil.
Há ainda o tom do discurso político-mediático, surpreendentemente dominado pela extrema-esquerda. Têm poucos votos, mas muito palco. Chamam nomes a toda a gente que não concorda com eles e passam a vida a dizer que toda a gente é de direita, a começar pelos socialistas. Em boa verdade, fazem isso desde o PREC. É o chamado "vira-o-disco-e-toca-o-mesmo". O que é intrigante é por que têm tanto palco. Eu, francamente, não compreendo.Os socialistas, obviamente, permanecem fiéis ao que sempre foram: um partido da esquerda democrática. Isso salvou a nossa democracia no passado, e é indispensável a qualquer democracia, no presente e no futuro. Seria importante ouvir hoje dos socialistas uma crítica ao Governo e um programa alternativo que fossem mais consistentes e mais claramente alternativos: mais alternativos ao discurso do Governo e mais alternativos ao discurso da extrema-esquerda.
O regresso de Varsóvia à pátria Lusa tem certamente as suas doçuras. Mas também algumas agruras. Uma destas reside nos noticiários televisivos, que são incrivelmente longos e passam todas as desgraças nativas com detalhe surpreendente. Um patriota esforça-se por aguentar a tormenta, mas não é fácil.
Há ainda o tom do discurso político-mediático, surpreendentemente dominado pela extrema-esquerda. Têm poucos votos, mas muito palco. Chamam nomes a toda a gente que não concorda com eles e passam a vida a dizer que toda a gente é de direita, a começar pelos socialistas. Em boa verdade, fazem isso desde o PREC. É o chamado "vira-o-disco-e-toca-o-mesmo". O que é intrigante é por que têm tanto palco. Eu, francamente, não compreendo.Os socialistas, obviamente, permanecem fiéis ao que sempre foram: um partido da esquerda democrática. Isso salvou a nossa democracia no passado, e é indispensável a qualquer democracia, no presente e no futuro. Seria importante ouvir hoje dos socialistas uma crítica ao Governo e um programa alternativo que fossem mais consistentes e mais claramente alternativos: mais alternativos ao discurso do Governo e mais alternativos ao discurso da extrema-esquerda.
Neste sentido, é uma boa notícia o lançamento pelo partido socialista, na passada quinta-feira, da Declaração de Um Novo Rumo para Portugal. O texto é ainda vago, mas abre caminho a uma reflexão aberta à sociedade civil sobre um programa político alternativo ao da presente maioria. Essa reflexão é necessária e urgente. O debate político nacional carece de uma consistente alternativa socialista.
Nesta declaração, os socialistas anunciam querer colocar a tónica no crescimento económico e na criação de emprego. É um excelente ponto de partida. Mas é importante dizer como pode isso ser feito. Neste capítulo, penso que Vital Moreira equacionou o problema com bastante rigor, numa entrevista ao Sol de anteontem: "Depois da crise, não voltamos ao estado anterior em que tínhamos o recurso dos impostos, o endividamento e o dinheiro da União Europeia. O tempo do endividamento acabou. A partir de agora, provavelmente temos é de ter saldos positivos para diminuir a dívida acumulada. Vamos ter de ser muito austeros e imaginativos se quisermos manter o Estado social. É um desafio para o PS, quando voltar ao Governo."
Este é realmente o desafio que se coloca à esquerda democrática: como manter o Estado social, sem aumentar ainda mais os impostos e o endividamento do país. É, de certa forma, um desafio semelhante ao que se coloca ao centro e à direita democrática: como baixar os impostos e libertar as energias da sociedade civil, sem aumentar a dívida pública.
Na data em que escrevo, não sei se o congresso do CDS, que decorreu neste fim-de-semana, terá ou não contribuído para clarificar esse desafio do centro-direita. Mas é positivo que o problema tenha sido pelo menos formulado pelos dirigentes do partido. É também positivo que o próprio primeiro-ministro tenha reconhecido que este é um problema que não pode ser ignorado. Não é realmente possível ignorar a carga fiscal excessiva que desincentiva o trabalho e o investimento.
Esta carga fiscal torna ainda mais surpreendente os resultados espectaculares que as exportações têm consistentemente registado entre nós: 42% do PIB em 2013, com uma taxa de crescimento nos últimos dois anos superior à média europeia.
Daniel Bessa observou certeiramente no Expresso do último sábado que "é deste processo (de crescimento do sector exportador), e do seu aprofundamento, que podemos esperar, num futuro relativamente próximo, o alívio das políticas de austeridade, que, entretanto, terão de continuar". Também atribuiu com muita justiça o mérito destes resultados às empresas portuguesas, aos seus empresários e aos seus trabalhadores. E observou ainda certeiramente que o único contributo do Estado terá sido "apenas o abandono de um sistema de incentivos errado e que, durante tantos anos, orientou a produção para um mercado interno financiado por dívida, nomeadamente pública".
Todas as observações acima citadas, vindas de diferentes posicionamentos políticos, apontam para um chão comum onde um debate civilizado pode e deve ter lugar: é preciso baixar a dívida pública sem aumentar os impostos, libertando o sector produtivo, e mantendo garantias sociais para os que realmente precisam e merecem. Pode parecer impossível. Mas como costumava dizer a Sr.ª Thatcher, na única citação de Keynes que lhe conhecemos, "o inevitável em regra não acontece e o improvável muitas vezes acontece".
Neste início de um novo ano, faço votos de que a inevitável radicalização do conflito político – tão desejada pela extrema-esquerda – de facto não aconteça. E que o improvável debate racional entre os nossos partidos democráticos possa de facto acontecer.
2014-01-13
Crianças em risco
“CRIANÇAS EM RISCO” A bola de neve que não pára…
Isilda Pegado | Voz da Verdade | 2014-01-12
1. Confrontamo-nos diariamente com situações referentes a crianças que são vítimas de negligências e maus-tratos que ou são relatados pela Comunicação Social, ou emergem de conhecimento directo.
Tais relatos são conhecidos por uma de duas razões: ou porque não foram tomadas medidas adequadas à protecção daquela criança ou, porque a medida tomada (retirar a criança à família) é excessiva, injusta, violadora dos Direitos Humanos, etc., etc. Numa área em que nada é simples.
2. Números publicados dizem-nos que, por ano, são sinalizados e chegam às Comissões de Protecção de Menores mais de 40.000 casos. Estão hoje institucionalizadas mais de 11.000 crianças. Atiram-se culpas à Segurança Social, aos Tribunais, às famílias e às Instituições. Há cada vez mais Instituições a acolher crianças em risco.
3. O que se passa? A Família passou a ser o lugar da mutilação e dos maus-tratos? Quem aceita isto em relação à sua própria família? Quem fica insensível à família que vive a seu lado? Ou, relativamente à família da ou do colega de trabalho? O que falta fazer? Muito.
É inquestionável que as crianças carecem da maior protecção, atentas as suas fragilidades naturais. Mas a questão está na "cura" a adoptar, ou na prevenção a implementar?
4. Identificamos como causa primeira nesta triste saga, a falta de comunicação. Convencemo-nos de que vivemos na era da comunicação. Mas, todos os dias assistimos à nossa incapacidade de fazer chegar ou receber uma mensagem. Fala-se mas não se é ouvido. Ouve-se, mas não se percebe. Isto apesar da escolaridade obrigatória ser acima dos 9 anos. Assistimos a mães que deixam filhos de meses sozinhos em casa por longas horas; que amarram a criança de 3 anos ao pé do armário com uma fita; que passeiam um bebé de meses às 22 horas no Centro Comercial; pais que não mandam o filho para a escola, ou vai sem tomar pequeno almoço; pais que ignoram, ignoram.
5. No Relatório da Comissão Nacional de Protecção de Menores (1.º Semestre de 2013) são estas as causas dos processos: Exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar da criança 25,4% (3598); Situações de perigo em que esteja em causa o Direito à Educação 22,2% (3147); Negligência 20,7% (2932); Maus-tratos físicos 5,5% (782); Mau Trato psicológico ou indiferença afectiva 2,8% (398); Abuso sexual 1,8% (251); Criança abandonada ou entregue a si própria 1,6% (224).
6. Há objectivamente comportamentos de risco que devem ser denunciados. Mas, antes da denúncia há um dever de informação. E esse não está a ser cumprido. Fruto de um estilo de vida ausente de família e das suas práticas, muitas vezes os jovens pais e mães ignoram, não têm consciência de que aqueles comportamentos são negligentes e nefastos. Presumimos o inverso. Mas é só presunção. Não sabem mesmo que uma criança de 5 anos tem de estar deitada às 21 horas, etc., etc.
7. Por outro lado, a beleza da maternidade e da paternidade estão, em larga medida, ofuscadas pelo individualismo, o hedonismo e o narcisismo (eu, depois eu e só eu).
As Comissões de Protecção de Menores que normalmente fazem um trabalho de grande mérito, tornaram-se em muitas casos "arma" de vingança e alimento de quezílias.
As estruturas sociais de apoio, atento o elevado número de "casos" que lhes estão confiados, elaboram relatórios… porque não têm tempo para mais.
A solidariedade própria das relações de família, de vizinhança e outras, está anulada com a já célebre frase – "A Segurança Social que trate disso. Eu não me meto!". A solidão nas nossas cidades e aldeias é muita.
8. Não vislumbramos que o caminho seja a maior institucionalização de crianças, ao invés, devemos evitá-la. Mas para isso é necessário um trabalho de informação e educação que leve os jovens adultos a adquirir conhecimentos básicos estruturantes e apelativos à maternidade e paternidade. Precisamos de folhetos, de cartazes, de outdoors, de anúncios bons e bonitos, que mostrem a responsabilidade, a grandeza, a aventura e a beleza que é ser pai e ser mãe. Precisamos de "inventar" esta Responsabilidade que gera Esperança, Felicidade e Amor, como nenhuma outra actividade humana pode dar.
1. Confrontamo-nos diariamente com situações referentes a crianças que são vítimas de negligências e maus-tratos que ou são relatados pela Comunicação Social, ou emergem de conhecimento directo.
Tais relatos são conhecidos por uma de duas razões: ou porque não foram tomadas medidas adequadas à protecção daquela criança ou, porque a medida tomada (retirar a criança à família) é excessiva, injusta, violadora dos Direitos Humanos, etc., etc. Numa área em que nada é simples.
2. Números publicados dizem-nos que, por ano, são sinalizados e chegam às Comissões de Protecção de Menores mais de 40.000 casos. Estão hoje institucionalizadas mais de 11.000 crianças. Atiram-se culpas à Segurança Social, aos Tribunais, às famílias e às Instituições. Há cada vez mais Instituições a acolher crianças em risco.
3. O que se passa? A Família passou a ser o lugar da mutilação e dos maus-tratos? Quem aceita isto em relação à sua própria família? Quem fica insensível à família que vive a seu lado? Ou, relativamente à família da ou do colega de trabalho? O que falta fazer? Muito.
É inquestionável que as crianças carecem da maior protecção, atentas as suas fragilidades naturais. Mas a questão está na "cura" a adoptar, ou na prevenção a implementar?
4. Identificamos como causa primeira nesta triste saga, a falta de comunicação. Convencemo-nos de que vivemos na era da comunicação. Mas, todos os dias assistimos à nossa incapacidade de fazer chegar ou receber uma mensagem. Fala-se mas não se é ouvido. Ouve-se, mas não se percebe. Isto apesar da escolaridade obrigatória ser acima dos 9 anos. Assistimos a mães que deixam filhos de meses sozinhos em casa por longas horas; que amarram a criança de 3 anos ao pé do armário com uma fita; que passeiam um bebé de meses às 22 horas no Centro Comercial; pais que não mandam o filho para a escola, ou vai sem tomar pequeno almoço; pais que ignoram, ignoram.
5. No Relatório da Comissão Nacional de Protecção de Menores (1.º Semestre de 2013) são estas as causas dos processos: Exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar da criança 25,4% (3598); Situações de perigo em que esteja em causa o Direito à Educação 22,2% (3147); Negligência 20,7% (2932); Maus-tratos físicos 5,5% (782); Mau Trato psicológico ou indiferença afectiva 2,8% (398); Abuso sexual 1,8% (251); Criança abandonada ou entregue a si própria 1,6% (224).
6. Há objectivamente comportamentos de risco que devem ser denunciados. Mas, antes da denúncia há um dever de informação. E esse não está a ser cumprido. Fruto de um estilo de vida ausente de família e das suas práticas, muitas vezes os jovens pais e mães ignoram, não têm consciência de que aqueles comportamentos são negligentes e nefastos. Presumimos o inverso. Mas é só presunção. Não sabem mesmo que uma criança de 5 anos tem de estar deitada às 21 horas, etc., etc.
7. Por outro lado, a beleza da maternidade e da paternidade estão, em larga medida, ofuscadas pelo individualismo, o hedonismo e o narcisismo (eu, depois eu e só eu).
As Comissões de Protecção de Menores que normalmente fazem um trabalho de grande mérito, tornaram-se em muitas casos "arma" de vingança e alimento de quezílias.
As estruturas sociais de apoio, atento o elevado número de "casos" que lhes estão confiados, elaboram relatórios… porque não têm tempo para mais.
A solidariedade própria das relações de família, de vizinhança e outras, está anulada com a já célebre frase – "A Segurança Social que trate disso. Eu não me meto!". A solidão nas nossas cidades e aldeias é muita.
8. Não vislumbramos que o caminho seja a maior institucionalização de crianças, ao invés, devemos evitá-la. Mas para isso é necessário um trabalho de informação e educação que leve os jovens adultos a adquirir conhecimentos básicos estruturantes e apelativos à maternidade e paternidade. Precisamos de folhetos, de cartazes, de outdoors, de anúncios bons e bonitos, que mostrem a responsabilidade, a grandeza, a aventura e a beleza que é ser pai e ser mãe. Precisamos de "inventar" esta Responsabilidade que gera Esperança, Felicidade e Amor, como nenhuma outra actividade humana pode dar.
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2014-01-12
Coerente vs Incoerente
É melhor ser coerente ou incoerente? Depende…
P. Duarte da Cunha | Voz da Verdade, 2014-01-12
Coerente diz-se de uma coisa que não contradiz com factos ou palavras o que anteriormente fora afirmado. A palavra vem do latim pela junção do prefixo co (=juntamente) com o verbo Haerere (=aderir) e evoca algo que está como que colado a outra coisa, ou seja, que é coeso. É uma palavra que tem diversas utilizações, desde o campo científico ao campo moral.
Neste momento interessa-nos sobretudo o seu uso no campo da moral. É mais ou menos óbvio que a coerência tem algo que ver com a palavra de honra e com a fidelidade aos compromissos e aos ideais, e, como tal, é normal considerá-la como uma coisa boa.
Parece, no entanto, que tem havido um uso em alguns casos abusivo e noutros desvirtuado deste conceito. Há, de facto, um paradoxo no nosso tempo a propósito da coerência. Por um lado, vai-se perdendo a confiança na palavra dada e com frequência pensa-se que um compromisso, no fundo, pode ser sempre desfeito, bastando para isso uma das partes julgar por razões fortes - ou simplesmente porque sim - que já não vale a pena continuar com o acordo feito. E, por outro lado, a coerência de um político, de um pensador, de um esposo, de um sacerdote, etc., é muitas vezes usado como o critério para avaliar do valor da pessoa e uma possível incoerência serve para considerar a pessoa não fiável.
Há quem comece a perceber que os novos meios de comunicação social trazem novas dimensões a este tema. Basta pensar que o que é colocado no Facebook hoje daqui a uns anos poderá vir a ser usada para acusar quem escreveu de ser incoerente ou não ser de confiança por causa do que disse há uns anos! Mesmo que a pessoa agora pense de maneira diferente, fica a marca, e o que disse no Facebook poderá tornar-se muito complicado para o resto da vida! Mas será justo que se alguém disse ou fez algo quando era jovem deva ficar marcado por esse facto para toda a vida? Não será isso um farisaísmo exagerado?
Aprofundemos a pergunta: temos de ser sempre coerentes com o que dissemos ou fizemos? Parece evidente que depende. Depende se estava certo ou errado, porque ser coerente com o erro e com o mal não é, claramente, uma virtude mas um vício. Devo ser incoerente e corrigir o meu pensamento e mudar o comportamento se necessário. Aliás, para ser coerente com a minha consciência devo continuamente procurar conhecer melhor a verdade e esse trabalho pode levar-me a concluir que estava errado e que devo mudar. Chama-se a isso conversão. Claro que se estou convencido que uma certa ideia ou atitude é justa devo ser coerente com a minha consciência e praticá-la ou defendê-la. Já quando se diz ou se faz o bem, é bom ser coerente. Devo ser fiel aos compromissos e coerente com a minha consciência, isso sim, mas não basta ser coerente por uma fixação que obrigaria a pessoa a ficar parada no passado e a não evoluir.
Outra implicação que devemos ter presente está no facto de ser muito complicado ser coerente com a verdade e com o bem ou ser incoerente com o mal e mudar. Num e noutro caso é preciso vencer tentações, ultrapassar debilidades, estar atento. Não pode ser um puro voluntarismo. Estaríamos a cair no pelagianismo que acredita que o homem se salva a si mesmo e consegue ser boa pessoa em tudo sem a graça de Deus. A insistência que hoje se faz na coerência é algo de bom, na medida que obriga as pessoas a serem sérias e a não mudarem de ideias consoante as oportunidades, mas é perigosa se deixa de estar ligada à procura da verdade e se se torna uma presunção humana de que se pode ser santo com o próprio esforço sem ser necessária a graça de Deus. A coerência com a verdade e com o bem, e, por isso, a vontade de progredir no caminho da descoberta do que é bom e verdadeiro, deve ser sempre alimentada por um pedido humilde e constante consciente de que sem a graça de Deus ninguém se consegue manter constante no bom caminho, tal como ninguém se sentirá com forças para uma autêntica conversão de vida.
Uma última nota pode ainda ser tocada para distinguir a coerência da fidelidade. Esta não é apenas a coerência com algo que se disse no passado. Seria ser infiel a uma amizade se ficássemos parados no tempo. A fidelidade é uma construção. A fidelidade numa amizade ou num casamento ou no sacerdócio é um trabalho quotidiano que alimenta e reforça os laços existentes. Nesse sentido, parece-me errado confundir fidelidade e coerência. A primeira é dinâmica, a segunda tem que ver com a estabilidade! Aliás, é possível que no caminho fiel haja caídas ou derrapagens que façam mossa à amizade, mas como não devemos ser coerentes com o erro feito, e podemos pedir perdão e voltar ao bom caminho, não se pode considerar que uma incoerência corrompa irremediavelmente os laços. É algo que fere e pode ser até muito complicado depois, mas não é necessário que mate a relação. Até acontece que algumas quedas fazem nascer uma fidelidade reforçada.
O Papa tem recordado a importância de acreditarmos no perdão de Deus. A misericórdia é o nome próprio de Deus. Mas também explica que a força da misericórdia está no facto de ela conduzir à conversão, ou seja, não só apaga o mal passado mas dá força para não se voltar a cair. Tenho pena quando alguém depois de uma infidelidade se envergonha e tem medo de pedir perdão, julgando que deve ser coerente com o erro. A mulher adúltera que os fariseus apresentam a Jesus fez mal. Não foi fiel e, por isso, é justamente considerada uma pecadora. Mas duas coisas deduzimos da atitude de Jesus. Primeiro que o facto de alguém ter um pecado não permite pensar que não tem remédio ou pensar que é pior do que nós. Afinal quem pode dizer a Deus que foi fiel em tudo? Segundo, que Jesus, que é Deus e tem, por isso, o poder de perdoar, usa de misericórdia para com a mulher e, por isso, acredita que ela deixa o pecado. Misericórdia sem força para levar à conversão seria pouco. Se Jesus tivesse perdoado sem dizer para ela não voltar a pecar seria deixar a pobre mulher mergulhada no mal. A misericórdia implica, por isso, a incoerência com o mal.
Coerente diz-se de uma coisa que não contradiz com factos ou palavras o que anteriormente fora afirmado. A palavra vem do latim pela junção do prefixo co (=juntamente) com o verbo Haerere (=aderir) e evoca algo que está como que colado a outra coisa, ou seja, que é coeso. É uma palavra que tem diversas utilizações, desde o campo científico ao campo moral.
Neste momento interessa-nos sobretudo o seu uso no campo da moral. É mais ou menos óbvio que a coerência tem algo que ver com a palavra de honra e com a fidelidade aos compromissos e aos ideais, e, como tal, é normal considerá-la como uma coisa boa.
Parece, no entanto, que tem havido um uso em alguns casos abusivo e noutros desvirtuado deste conceito. Há, de facto, um paradoxo no nosso tempo a propósito da coerência. Por um lado, vai-se perdendo a confiança na palavra dada e com frequência pensa-se que um compromisso, no fundo, pode ser sempre desfeito, bastando para isso uma das partes julgar por razões fortes - ou simplesmente porque sim - que já não vale a pena continuar com o acordo feito. E, por outro lado, a coerência de um político, de um pensador, de um esposo, de um sacerdote, etc., é muitas vezes usado como o critério para avaliar do valor da pessoa e uma possível incoerência serve para considerar a pessoa não fiável.
Há quem comece a perceber que os novos meios de comunicação social trazem novas dimensões a este tema. Basta pensar que o que é colocado no Facebook hoje daqui a uns anos poderá vir a ser usada para acusar quem escreveu de ser incoerente ou não ser de confiança por causa do que disse há uns anos! Mesmo que a pessoa agora pense de maneira diferente, fica a marca, e o que disse no Facebook poderá tornar-se muito complicado para o resto da vida! Mas será justo que se alguém disse ou fez algo quando era jovem deva ficar marcado por esse facto para toda a vida? Não será isso um farisaísmo exagerado?
Aprofundemos a pergunta: temos de ser sempre coerentes com o que dissemos ou fizemos? Parece evidente que depende. Depende se estava certo ou errado, porque ser coerente com o erro e com o mal não é, claramente, uma virtude mas um vício. Devo ser incoerente e corrigir o meu pensamento e mudar o comportamento se necessário. Aliás, para ser coerente com a minha consciência devo continuamente procurar conhecer melhor a verdade e esse trabalho pode levar-me a concluir que estava errado e que devo mudar. Chama-se a isso conversão. Claro que se estou convencido que uma certa ideia ou atitude é justa devo ser coerente com a minha consciência e praticá-la ou defendê-la. Já quando se diz ou se faz o bem, é bom ser coerente. Devo ser fiel aos compromissos e coerente com a minha consciência, isso sim, mas não basta ser coerente por uma fixação que obrigaria a pessoa a ficar parada no passado e a não evoluir.
Outra implicação que devemos ter presente está no facto de ser muito complicado ser coerente com a verdade e com o bem ou ser incoerente com o mal e mudar. Num e noutro caso é preciso vencer tentações, ultrapassar debilidades, estar atento. Não pode ser um puro voluntarismo. Estaríamos a cair no pelagianismo que acredita que o homem se salva a si mesmo e consegue ser boa pessoa em tudo sem a graça de Deus. A insistência que hoje se faz na coerência é algo de bom, na medida que obriga as pessoas a serem sérias e a não mudarem de ideias consoante as oportunidades, mas é perigosa se deixa de estar ligada à procura da verdade e se se torna uma presunção humana de que se pode ser santo com o próprio esforço sem ser necessária a graça de Deus. A coerência com a verdade e com o bem, e, por isso, a vontade de progredir no caminho da descoberta do que é bom e verdadeiro, deve ser sempre alimentada por um pedido humilde e constante consciente de que sem a graça de Deus ninguém se consegue manter constante no bom caminho, tal como ninguém se sentirá com forças para uma autêntica conversão de vida.
Uma última nota pode ainda ser tocada para distinguir a coerência da fidelidade. Esta não é apenas a coerência com algo que se disse no passado. Seria ser infiel a uma amizade se ficássemos parados no tempo. A fidelidade é uma construção. A fidelidade numa amizade ou num casamento ou no sacerdócio é um trabalho quotidiano que alimenta e reforça os laços existentes. Nesse sentido, parece-me errado confundir fidelidade e coerência. A primeira é dinâmica, a segunda tem que ver com a estabilidade! Aliás, é possível que no caminho fiel haja caídas ou derrapagens que façam mossa à amizade, mas como não devemos ser coerentes com o erro feito, e podemos pedir perdão e voltar ao bom caminho, não se pode considerar que uma incoerência corrompa irremediavelmente os laços. É algo que fere e pode ser até muito complicado depois, mas não é necessário que mate a relação. Até acontece que algumas quedas fazem nascer uma fidelidade reforçada.
O Papa tem recordado a importância de acreditarmos no perdão de Deus. A misericórdia é o nome próprio de Deus. Mas também explica que a força da misericórdia está no facto de ela conduzir à conversão, ou seja, não só apaga o mal passado mas dá força para não se voltar a cair. Tenho pena quando alguém depois de uma infidelidade se envergonha e tem medo de pedir perdão, julgando que deve ser coerente com o erro. A mulher adúltera que os fariseus apresentam a Jesus fez mal. Não foi fiel e, por isso, é justamente considerada uma pecadora. Mas duas coisas deduzimos da atitude de Jesus. Primeiro que o facto de alguém ter um pecado não permite pensar que não tem remédio ou pensar que é pior do que nós. Afinal quem pode dizer a Deus que foi fiel em tudo? Segundo, que Jesus, que é Deus e tem, por isso, o poder de perdoar, usa de misericórdia para com a mulher e, por isso, acredita que ela deixa o pecado. Misericórdia sem força para levar à conversão seria pouco. Se Jesus tivesse perdoado sem dizer para ela não voltar a pecar seria deixar a pobre mulher mergulhada no mal. A misericórdia implica, por isso, a incoerência com o mal.
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