2014-04-16

Universidade e pluralismo

JOÃO CARLOS ESPADA - Público - 14/04/2014

Professor universitário, IE-UCP

A ideia de universidade emergiu na Europa de uma cultura comum, por sinal cristã, mas não de um plano comum

Costuma ser dito que ignoramos o Brasil à nossa própria custa. Na semana passada tive oportunidade de observar como isso é verdade. Passei a semana no Rio Grande do Sul, primeiro no 27.ª edição anual do Fórum da Liberdade, depois num colóquio sobre a ideia de universidade na América Latina. Em ambos os casos, pude testemunhar a existência de uma vibrante sociedade civil e de uma forte cultura pluralista.

O Fórum da Liberdade é promovido anualmente pelo Instituto de Estudos Empresariais. Tem lugar na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) de Porto Alegre e reúne cerca de cinco mil pessoas durante dois dias. A ideia de liberdade é discutida em vários painéis temáticos, este ano dedicados à educação, saúde, democracia e Estado de direito, finanças públicas, e livre mercado. Marcelo Rebelo de Sousa e André Azevedo Alves foram os dois oradores portugueses num vasto programa com oradores brasileiros, norte-americanos e latino-americanos.

O tema da liberdade voltou a estar presente no colóquio mais restrito que se seguiu ao fórum, dedicado à ideia de universidade na América Latina. Durante três dias, universitários brasileiros, latino-americanos e portugueses debateram o tema num ambiente de grande abertura intelectual. No centro dos debates estavam três interrogações centrais: (1) como deve ser entendida a ideia clássica de universidade?; (2) como é que essa ideia foi entendida e/ou ignorada na América Latina?; (3) qual é a viabilidade da ideia clássica de universidade nos tempos actuais?

Sobre a ideia clássica de universidade, estudámos e discutimos textos de John Henry Newman, do chileno Andres Bello (cujo nome foi recentemente adoptado por The Economist para a coluna de opinião semanal sobre a América Latina), do espanhol Ortega y Gasset, do inglês Oakeshott e de Michael Polanyi. Em todos eles se encontra a mesma preocupação de distinguir a universidade da mera formação profissional ou técnica, e de preservar um espaço de educação humanista claramente separada da doutrinação político-ideológica.

Esta ideia clássica de universidade tem estado presente no Brasil e na América Latina, mas sofreu distorções e ameaças de vários tipos. Textos dos brasileiros Antonio Paim e Simon Schwartzman recordaram algumas das visões ideológicas que procuraram capturar e instrumentalizar a ideia clássica de universidade: o positivismo no século XIX, o marxismo e o fascismo no século XX.

É possível detectar pelo menos três traços comuns principais nos diferentes entendimentos do positivismo, do marxismo e do fascismo a respeito da universidade. Em primeiro lugar, todos eles vêem a universidade sobretudo como um instrumento ao serviço de um propósito que é exterior à universidade. Em segundo lugar, todos eles assumem que a universidade deve adoptar um modelo único, obrigatório, igual para todos, e centralmente planeado. Finalmente, todos eles defendem a submissão da universidade ao poder político.

É importante recordar que todas estas visões instrumentais da universidade – quer do positivismo, quer do marxismo, quer do fascismo – foram defendidas em nome da modernização, da ciência e da técnica, e da ideia de futuro como corte com o passado. Essas ideias foram apresentadas contra as clássicas visões  pluralistas associadas ao liberalismo e ao cristianismo – visões que foram acusadas de serem prisioneiras do passado.

Uma pergunta pode talvez ser pertinente: porque é que os positivistas, os marxistas e os fascistas não criaram simplesmente universidades privadas de tipo positivista, marxista ou fascista? Porque é que apresentaram sempre a sua proposta como a única verdadeira ideia de universidade, que tem de ser centralmente desenhada e adoptada por todos?

Uma resposta possível é que positivistas, marxistas e fascistas acreditavam que sabiam, sem saberem que acreditavam. Essa arrogância fatal – como lhe chamaram Karl Popper e F. A. Hayek – levou-os ao erro crucial de imaginar que todas as instituições são produto de um plano anterior à sua própria emergência. Mas não são. A ideia de universidade emergiu na Europa de uma cultura comum, por sinal cristã, mas não de um plano comum. E no centro da cultura europeia comum, a cultura ocidental, estava um traço distintivo relativamente às culturas orientais centralizadas: a ideia de pluralismo e de autonomia da universidade.

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