2011-05-29

Os "boys"

Zita Seabra, JN 2011-05-29

Eles acham que são os donos do país. Portugal é deles. O Estado pertence-lhes. Vale tudo. Estão acima da lei e das deontologias. Não conhecem ética em política, nem educação. Não sabem o que é o Estado de direito.

São filhos directos de Maquiavel porque agem sempre como se os fins justificassem os meios. Sentem-se príncipes que desconhecem o Estado de direito porque são os donos absolutos do país. Usam a propaganda como ninguém. Alimentam-se dela. Sabem de cor como inventar cenários, como criar factos que desviem do essencial, como dar a parecer o que não é.

Mentem por palavras, actos e omissões.... Omitem números se não lhes interessam, guardam-nos e escondem-nos para apresentar boas execuções orçamentais. Mudam critérios para contar desempregados, como quem apaga pessoas. As pessoas são números. Afirmam meias- verdades para não serem apanhados na totalidade da mentira e não parecerem mentir tanto quando são apanhados em flagrante.

Levam, sem vergonha, figurantes para comícios eleitorais com bilhetes para oceanários, ou a troco de pequenas excursões, de uma viagem e de um lanche. Valem-se de tudo o que pode ser útil para o objectivo que desejam. Fica bem multiculturalismo? Pois fazem o gesto obsceno de arrebatar para imagem filmada de comício emigrantes paquistaneses ilegais, ou indianos, ou africanos. Levam-nos para exibir publicamente e mostrarem ao país as diferentes cores da pele e põem gente pobre e desprotegida a fazer o triste papel de figurantes televisivos e marcar o dia. Nem notam que são autores de um brutal acto de racismo que faz corar de vergonha qualquer pessoa digna.

Exibem o despudor de usar serviços públicos na campanha como se fossem seus espaços privados e as pessoas que estão em aulas em serviços públicos são exibidas como troféus de campanha e interrogadas por meios de Comunicação Social para se mostrarem agradecidas, reconhecidas e obrigadas. Já não mostram obra feita, mostram pessoas que constrangem em serviços públicos como obra feita.

Revelam pouca memória pois não se lembram das cenas célebres de filmagem de uma criança dando-lhes flores, tantas vezes vistas em outros tristes cenários. Põem mesmo a criança a dizer: "Obrigado pelos Magalhães". Que memórias nos traz aquela imagem e quantas vezes e em que circunstância já foram realizadas.

Levantam sustos e medos contra quem se lhes opõe. Levaram o drama a muitas casas de portugueses quando distribuíram o que não tinham para ganhar as eleições, que ganharam, fazendo depois uma razia de pobreza com milhares de portugueses a perderem o emprego, muitos com mais de 50 anos e sem esperança de voltarem a trabalhar, com os dias contados para receberem o subsídio. A caminharem para o desespero, tiraram-lhes o futuro.

Mas não desistem. É a sua sobrevivência política pessoal. Prometem mundos e fundos com as mãos-cheias de nada. E escondem, escamoteiam a realidade e a verdade, que são valores para eles secundários para tanta ambição. A verdade aparece como uma palavra erradicada da política. A verdade é subjectiva e adaptam-na aos seus interesses de campanha. Interessa, sim, a mensagem a "vender" cada dia aos portugueses.

Escondem o fundamental. Até há dois dias, escondiam o acordo com a troika que nos vai condicionar o dia-a-dia e o futuro imediato. Vai condicionar-nos no dia a seguir às eleições. Evitaram discutir o assunto, fingiram que não existia. Asseguravam que agora, ocupados com as feiras e romarias e com votos, não tinham tempo para estudar o assunto. Não sabiam prazos, nem compromisso. Desconheciam que tinham de baixar a Taxa Social Única. Nem faziam ideia como iam financiar os compromissos. A crise não era com eles. É com as troikas, os alemães e o FMI. Eles estão calmos porque tratarão de nós quando a campanha passar.

Era estranho que não quisessem discutir o que em nome de Portugal assinaram. Era estranho que não houvesse tradução oficial do documento assinado e entregue aos partidos da Oposição. Agora, descobre-se que o documento entregue aos partidos não é igual ao outro. Pequenos pormenores. Minudências. Umas pequenas alterações de prazos, da legislação laboral, por exemplo. Que importância tem isso?, são meros pormenores, dizem. Resultam talvez apenas da dificuldade em traduzir o inglês técnico, certamente. Importante para eles são os votos, são uns bombos na campanha para animar o povo, dirão. É só fazer de conta mais uns dias, uma curta semana e eles, os portugueses, verão, então, fora do ruído da campanha, o que os espera e confrontam-se com a realidade já sem retorno.

Não são de Esquerda, nem socialistas, nem liberais, nem sociais-democratas, são, na feliz expressão do último líder socialista António Guterres, simplesmente "boys".

Mas vai dar muito trabalho ao PSD e a Pedro Passos Coelho fazer regressar à política a nobreza de quem quer apenas que esta volte a ser um mero serviço do bem comum e que a esperança regresse a Portugal.

2011-05-25

Há três espécies de Portugal

Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.

Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.

Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projectam a sua fé de que a famí1ia se não extinguisse.

Estes três tipos do português têm uma mentalidade comum, pois são todos portugueses mas o uso que fazem dessa mentalidade diferencia-os entre si. O português, no seu fundo psíquico, define-se, com razoável aproximação, por três característicos: (1) o predomínio da imaginação sobre a inteligência; (2) o predomínio da emoção sobre a paixão; (3) a adaptabilidade instintiva. Pelo primeiro característico distingue-se, por contraste, do ego antigo, com quem se parece muito na rapidez da adaptação e na consequente inconstância e mobilidade. Pelo segundo característico distingue-se, por contraste, do espanhol médio, com quem se parece na intensidade e tipo do sentimento. Pelo terceiro distingue-se do alemão médio; parece-se com ele na adaptabilidade, mas a do alemão é racional e firme, a do português instintiva e instável.

(Fernando Pessoa)


Citado a partir do Abrupto

Encontrarás Dragões

Encontrarás Dragões

2011-05-23

O que podem os ex-alunos fazer pela LEIC?

1 - Podem investir - disponibilizando recursos para o Ensino

2 - Podem vir ensinar - dar aulas convidadas

3 - Podem dar a conhecer os problemas e as necessidades das empresas - para influenciar os currículos

-- PJT

Centenário IST

Hoje o Técnico faz 1100100 anos! Parabéns informáticos!


http://100.ist.utl.pt/

2011-05-17

Com a (meia) verdade me enganas

Muito se tem falado sobre a mentira na política. No entanto, mais do que a mentira, o verdadeiro perigo para a democracia reside na "meia-verdade".

Vamos analisar um exemplo recente do debate entre José Sócrates e Jerónimo de Sousa (minuto 27):

José Sócrates: Redução das pensões acima de 1500 Euros (...) Só essas é que serão atingidas (...) As mais baixas serão aumentadas.


Esta afirmação é verdadeira. No entanto, qual o seu significado exacto?

A. Vão ser cortadas as pensões com valor superior a 1500 Euros e as de valor mais baixo do que 1500 Euros vão ser aumentadas.

B. Vão ser cortadas as pensões com valor superior a 1500 Euros, as de valor inferior vão ser congeladas, e apenas as pensões mínimas vão ser aumentadas.

Ouvindo só a afirmação, tanto a A como a B podem ser verdade. E, de boa fé, podemos assumir que seja a A. No entanto, lendo o memorando acordado com a troika FMI+UE (texto original, resumo e tradução do Público), é a B que vai acontecer.

O discurso está cheio destas meias verdades, que "compram" votos, e que depois, afinal, nem sequer "pagam" o que prometeram...

Convido os leitores deste blogue a partilharem outros exemplos nos comentários. Mas peço que deixem referências de onde se pode validar a informação.

2011-05-13

Homens, sede homens!

Homens, sede homens. Homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo. Homens, sede magnânimos. Homens, procurai ver o vosso prestígio e o vosso interesse não como contrários ao prestígio e ao interesse dos outros, mas como solidários com eles. Homens, não penseis em projectos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projectos de conforto comum e de colaboração solidária. Homens, pensai na gravidade e na grandeza desta hora, que pode ser decisiva para a história da geração presente e futura; e recomeçai a aproximar-vos uns dos outros com intenções de construir um mundo novo; sim, um mundo de homens verdadeiros, o qual é impossível de conseguir se não tem o sol de Deus no seu horizonte.

-- Papa Paulo VI em Fátima no 13 de Maio de 1967

Ler a homilia completa.

2011-05-06

O que fazer nestes tempos de crise?

Despertar as pessoas, e propor Cristo!

-- PDC

2011-05-05

João Paulo II e a Liberdade

Transcrevo a seguir um artigo de João Carlos Espada sobre a contribuição do Papa João Paulo II para a nossa compreensão de um valor cada vez mais na agenda do nosso país: a Liberdade. Os sublinhados são meus.

João Paulo II

Público, 2011-05-02 João Carlos Espada

A beatificação de João Paulo II voltou a trazer à praça pública a memória do extraordinário Papa polaco. É difícil exagerar a importância e o alcance do seu pontificado, para católicos e não católicos, crentes e não crentes.
No plano político, todos reconhecem o papel decisivo de Karol Wojtyla no colapso final e pacífico do império soviético. Seria, por si só, uma realização de enorme magnitude. Mas, ao contribuir decisivamente para a desacreditação do regime soviético, o Papa polaco fez ainda mais. Restaurou o ideal de uma sociedade livre e do papel incontornável da liberdade religiosa - e não apenas da liberdade dos católicos - numa sociedade livre.

Karol Wojtyla podia ter defendido os direitos dos católicos polacos em nome do facto incontornável de que a Polónia era há muitos séculos uma nação de esmagadora maioria católica. Mas não foi exactamente isso que ele fez. Ele defendeu os direitos dos católicos polacos em nome da liberdade de consciência de todos, católicos e não católicos, crentes e não crentes.

Na linha do que fora consagrado pelo Concílio Vaticano II, João Paulo II defendeu a liberdade de consciência como expressão essencial da dignidade da pessoa humana. E apresentou a dignidade da pessoa humana como parte integrante da verdade revelada que o cristianismo convida o mundo a descobrir. Por outras palavras, João Paulo II fundou a liberdade na verdade, não na ausência dela, ou na equivalência relativista entre as verdades de cada um.

Ao fundar a liberdade na verdade da mensagem cristã acerca da dignidade da pessoa humana e da sua consciência, João Paulo II integrou a defesa da liberdade dos católicos na defesa da liberdade da consciência de todos. E reafirmou que uma sociedade livre é aquela em que a lei protege a liberdade das pessoas e limita o poder político, obrigando-o a respeitar essa liberdade.

Desta forma, João Paulo II refutou também as dúvidas ainda existentes entre alguns sectores católicos acerca da existência de um alegado "terceiro regime" entre o regime comunista e o impropriamente chamado "regime capitalista". Só há dois tipos de regimes: não livre e livre. Num regime livre, a liberdade da pessoa está no centro e abrange todas as dimensões: religiosa, cultural, política e económica. Não há por isso regimes livres sem empresa livre, ou com liberdade económica condicionada pelo capricho dos governantes. E não há ambiguidade sobre a posição dos católicos acerca desses dois regimes: eles são a favor dos regimes livres.
No interior de um regime livre, fundado nos direitos fundamentais da pessoa humana, existe uma permanente controvérsia em torno de diferentes propostas políticas, económicas, culturais. João Paulo II reafirmou que a Igreja não defende nenhum projecto político particular no interior de uma sociedade livre. A sua esfera não é política. Mas a mensagem religiosa da Igreja tem uma dimensão cultural pública que pode ser relevante para a saúde e robustez das sociedades livres.
Essa mensagem pode ser traduzida na ideia de que as virtudes morais são essenciais para a sustentação da liberdade. Sem autocontrolo, sem capacidade de diferir a gratificação, sem atenção à sorte do outro, a liberdade é ameaçada pela desconfiança mútua, pela indiferença, pela crueldade. A prazo, a anomia, ou ausência de regras de conduta cívica partilhadas, dará lugar à insegurança colectiva e esta à descrença na liberdade.

Em minha opinião, João Paulo II tornou acessível aos olhos do mundo a mensagem fundamental com que o cristianismo contribuiu decisivamente para a gradual emergência da civilização ocidental. A força não é o direito: a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado, a justiça e a injustiça não dependem dos caprichos dos poderes de plantão. Todo o poder deve ser limitado pela lei e pela moral. No centro dessa limitação de todos os poderes deve estar o respeito pela dignidade da pessoa, cujo núcleo é constituído pelo direito à vida e à liberdade.


João Carlos Espada é Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia